A Câmara dos Deputados realizou, na tarde de terça-feira 9, Comissão Geral para debater a crise financeira mundial. Participaram os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, além do ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, e o presidente da SR Rating – Agência Classificadora de Riscos, Paulo Rabello de Castro. O líder do PSOL, deputado Chico Alencar, afirmou que a crise financeira mundial é, na verdade, continuada da hegemonia do capital financeiro globalizado e que a “solução” neoliberal que está sendo imposta prejudica ainda mais as possibilidades de democracia e justiça social. Segundo o deputado, o Brasil sofre com o que o economista Reinaldo Gonçalves chama de déficit tecnológico, ou seja, a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e maior valor agregado aumentou significativamente: de US$ 15 bilhões, em 2003, para US$ 84 bilhões, atualmente. “Os números vão um pouco na contramão do projeto do Ministério de Ciência e Tecnologia. Nós ainda temos uma situação de dependência tecnológica muito grande”. Chico Alencar também criticou a afirmação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que afirmou que o país não deve sofrer aumento de gastos, o que incluiria, segundo o ministro, não conceder reajustes salariais aos trabalhadores. Para o deputado, a declaração só tende a prejudicar matérias que estão em pauta no Legislativo, como a regulamentação da Emenda 29, dirigida ao setor da saúde, as PEC's que reajustam o vencimento de policiais e propostas de mais investimentos para a educação. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, admitiu a dependência e “débito tecnológico” do Brasil, mas destacou que o país é líder em setores como a agricultura, referindo-se a Embrapa considerada referência na produção de conhecimento. Mercadante também destacou a Petrobras “líder mundial em águas profundas, em produção de petróleo nessas condições. O pré-sal é uma descoberta absolutamente excepcional”. O ministro Guido Mantega não respondeu aos questionamentos do líder do PSOL. Leia a íntegra do discurso do deputado Chico Alencar. "Sr. Presidente, Srs. Ministros, colegas Parlamentares, todos os presentes, senhores convidados, vou tentar voltar um pouquinho a ser professor, não para ensinar nada a ninguém, mas para fazer deste encontro uma troca, um diálogo, fazendo, aliás mais até como aluno, algumas indagações aos nossos convidados desta Comissão Geral.
O entendimento do PSOL é de que esta é uma crise continuada da hegemonia do capital financeiro globalizado no mundo inteiro e que, se tiver a solução como se aponta nos Estados Unidos, sob o tacão dos ultraneoliberais, vai prejudicar ainda mais nossas possibilidades de democracia e justiça social.
Por isso o Brasil que, obviamente como qualquer economia do mundo, tem vínculos com esse concerto internacional da economia e das finanças tem de ter uma postura muito singular.
E a primeira indagação que faço é a partir da afirmação de uma economista muito cara ao Governo do PT, minha amiga pessoal, com quem já militei muito tempo, nossa querida Maria da Conceição Tavares. Ela traz uma preocupação muito grave. Diz que nossas reservas atuais, da ordem de 340 bilhões de dólares, são basicamente formada pela conta de capitais, não tanto pelo superávit comercial como anteriormente, em 2008 inclusive. Então, elas são a contrapartida de algo muito fluido, capitais que não sabemos exatamente se representam investimento produtivo de mais longo curso ou especulação que pode escapar abruptamente, dívida privada.
E Maria da Conceição Tavares diz que, com a anomalia dos juros, que é um problema sério e central, e que até onde ouvi não foi mencionado neste encontro nosso — essa é a grande herança maldita que a economia brasileira tem — , e com a oferta barata e abundante de dinheiro lá fora, nossas empresas se endividaram a rodo. E, se houver uma reversão do ciclo, com a valorização do dólar, que está no horizonte, sim, o descasamento entre um passivo em dólar e receitas em reais, no caso de quem não exporta ou exporta pouco, será dramático.
Eu queria saber das nossas autoridades como resolver essa conta preocupante. Detalhe: o passivo externo total hoje do País, que é cerca de 916 bilhões de dólares, é três vezes o valor das nossas reservas.
Então, falar apenas das nossas reservas como garantia é algo temerário. E há a questão da política de juros, que consome cerca de metade — do ponto de vista do pagamento de juros e serviços na amortização — do nosso orçamento. Detalhe: a rentabilidade média dos 50 maiores bancos, de 2003 a 2010, foi 17,5%, ao passo que a rentabilidade das nossas 500 maiores empresas produtivas de bens e serviços foi 11%. Há, portanto, também no Brasil essa prevalência do capital financeiro.
Ainda, para os nossos Ministros, um detalhe sobre nossas exportações tão valorizadas para o equilíbrio das nossas contas: há um processo de queda das exportações de produtos manufaturados que, em 2003, eram da ordem de 56%, e que agora estão na ordem de 45% (em 2010). Por outro lado, o aumento da participação de produtos básicos e das commodities cresceu de 25%, em 2003, para cerca de 38,5% ou 39% agora. Isso também não é um cenário muito alvissareiro. E aí, em relação ao meu amigo Ministro Mercadante, é uma questão que me intriga e uma discussão que tive recentemente com o economista, que V.Exa. também conhece, Reinaldo Gonçalves.
Ele diz que ainda há no Brasil o que ele chama de déficit tecnológico, ou seja, que a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e maior valor agregado aumentou significativamente: de 15 bilhões, em 2003, para 84 bilhões, agora. Quer dizer, os números vão um pouco na contramão daquele projeto do seu, do nosso Ministério de Ciência e Tecnologia. Nós ainda temos uma situação de dependência tecnológica muito grande.
Por fim, o Ministro Mantega disse, recentemente — e deve ter falado sobre isso aqui, pois eu, infelizmente, estava em outra atividade e não pude ouvir a parte inicial das exposições — : Melhorar resultados fiscais, com uma surpresa a cada mês — não entendi bem o que significa isso — , fortalecer as empresas; nada de aumento de gastos; não é hora de trabalhadores pedirem reajustes salariais. Isso significa, do ponto de vista inclusive do Legislativo, que podemos esquecer regulamentação da Emenda 29, recursos para a saúde, reajustes um pouco acima da inflação para os que ganham menos, mais recursos para a educação? Fica a indagação sobre quem vai pagar essa conta das medidas..." |
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