sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ASSISTA O PROGRAMA DO PSOL PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE QUE FOI AO AR DIA 29/09/2011


Programa do PSOL

Segue abaixo o programa aprovado no Encontro Nacional de fundação do P-SOL, realizado nos dias 05 e 06 de junho em Brasília. Com esta plataforma programática começamos a construir nosso partido e inauguramos uma nova etapa na elaboração programática do partido que culminará no primeiro Congresso do P-SOL. Neste sentido, os relatórios aprovados nos grupos abrirão a tribuna de debates desta construção programática coletiva que apenas começa. Nos próximos dias o site estará disponível para receber as contribuições que com certeza enriquecerão o debate e permitirão que nosso programa seja construído pela experiência viva dos movimentos sociais e dos seus protagonistas.
Introdução
Este programa estabelece um ponto de partida para a construção de um projeto estratégico, capaz de dar conta das enormes demandas históricas e concretas dos trabalhadores e dos excluídos do nosso país.
Não se trata, portanto, da imposição de uma receita pré-estabelecida, hermética, fechada, imune às mudanças na realidade objetiva e a experiência viva das lutas sociais do nosso povo. Pois definir seus balizadores iniciais de estratégia e de princípio não significa estabelecer qualquer restrição a constantes atualizações, para melhor compreender e representar as novas demandas populares.
Nessa perspectiva de caminhos novos para a discussão de um projeto socialista, a necessidade da construção de um partido de novo tipo se afirma de forma cada vez mais clara. É uma necessidade objetiva para aqueles que, nos últimos vinte anos, construíram uma concepção combativa de PT, e lhe deram a extraordinária possibilidade de abrir as portas para um Brasil sem miséria e sem exploração, mas que viram suas lutas, seus sonhos e expectativas traídas.
A ruptura com o PT começou pelos servidores federais, seguida de amplos setores intelectuais, de segmentos da juventude e de uma significativa parcela da população, fragmentada na rebeldia, mas localizada na quase totalidade de pesquisas de opinião realizadas.
Criou-se, assim, um novo e histórico momento para o país e para a esquerda socialista que mantém de pé as bandeiras históricas das classes trabalhadoras e oprimidas. Na medida em que o governo Lula acelera a rota para o precipício, abre-se um caminho para uma alternativa de esquerda conseqüente, socialista e democrática, com capacidade de atrair e influenciar setores de massas, e oferecer um canal positivo para os que acreditam em um outro Brasil.
Parte I – Bases do programa estratégico
1) Socialismo com democracia, como princípio estratégico na superação da ordem capitalista.
O sistema capitalista imperialista mundial está conduzindo a humanidade a uma crise global. A destruição da natureza, as guerras, a especulação financeira, o aumento da superexploração do trabalho e da miséria são suas conseqüências. Sob o atual sistema, o avanço da ciência e da técnica só conduz a uma mais acelerada concentração de riquezas. A agressiva busca do controle estratégico dos recursos energéticos do planeta está levando à própria devastação destes recursos. A lógica egoísta e destrutiva da produção, condicionada exclusivamente ao lucro, ameaça a existência de qualquer forma de vida.
Assim, a defesa do socialismo com liberdade e democracia deve ser encarada como uma perspectiva estratégica e de princípios. Não podemos prever as condições e circunstâncias que efetivarão uma ruptura sistêmica. Mas como militantes conscientes que querem resgatar a esperança de dias melhores, sustentamos que uma sociedade radicalmente diferente, somente pode ser construída no estímulo à mobilização e auto-organização independente dos trabalhadores e de todos os movimentos sociais.
O essencial é ter como permanente a idéia de que não se pode propor essa outra sociedade construída sem o controle dos próprios atores e sujeitos da auto-emancipação. Não há partido ou programa, por mais bem intencionado que seja, que os substituam. Uma alternativa global para o país deve ser construída via um intenso processo de acumulação de forças e somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida. Nesta perspectiva é fundamental impulsionar, especialmente durante os processos de luta, o desenvolvimento de organismos de auto-organização da classe trabalhadora, verdadeiros organismos de contra-poder.
O desafio posto, portanto, é de refundar a idéia e a estratégia do socialismo no imaginário de milhões de homens e mulheres, reconstruindo a idéia elementar – mas desconstruída pelas experiências totalitárias dos regimes stalinistas e as capitulações à ordem no estilo da 3ª via social-democrata – de que o socialismo é indissociável da democracia e da liberdade, da mais ampla liberdade de expressão e organização, da rejeição aos modelos de partido único. Enfim, de que um projeto de emancipação social dos explorados e oprimidos nas condições atuais é um verdadeiro projeto de emancipação da civilização humana, de defesa da vida diante das forças brutais de destruição acumuladas pelo capitalismo imperialista.
A defesa do socialismo, finalmente, não é apenas a defesa das reivindicações dos trabalhadores melhor organizados, mas a conseqüente busca de incorporação das reivindicações e lutas de todos os setores oprimidos. A luta pelo socialismo é também a luta contra todas as opressões, injustiças e barbáries cotidianas.
2) Não há soberania, nem uma verdadeira independência nacional, sem romper com a dominação imperialista.
O capital financeiro-imperialista não se limita à sangria do pagamento da dívida e dos ajustes impostos pelo FMI. Pretende impor, agora, com os acordos em negociação (caso concreto da ALCA), as condições para um aumento maior da exploração, com a resultante dilapidação dos nossos recursos naturais e energéticos. A Amazônia é um alvo concreto. O controle da sua biodiversidade, através das “leis de patentes”, e a devastação florestal em busca dos minérios, ou na lógica do agro-negócio, são parte dessa ofensiva. Outro alvo das multinacionais são as bacias da Petrobrás.
Um programa alternativo para o país tem que ter nas suas bases fundadoras o horizonte da ruptura com o imperialismo e suas formas de dominação. O Brasil precisa de uma verdadeira independência nacional. E ela só é possível com uma rejeição explícita à dominação imperial.
3) Rechaçar a conciliação de classes e apoiar as lutas dos trabalhadores.
Nossa base programática não pode deixar de se pautar num principio: o resgate da independência política dos trabalhadores e excluídos. Não estamos formando um novo partido para estimular a conciliação de classes. Nossas alianças para construir um projeto alternativo têm que ser as que busquem soldar a unidade entre todos os setores do povo trabalhador – todos os trabalhadores, os que estão desempregados, com os movimentos populares, com os trabalhadores do campo, sem-terra, pequenos agricultores, com as classes médias urbanas, nas profissões liberais, na academia, nos setores formadores de opinião, cada vez mais dilapidadas pelo capital financeiro, como vimos recentemente no caso argentino. São estas alianças que vão permitir a construção da auto-organização independente e do poder alternativo popular, para além dos limites da ordem capitalista. Por isso, nosso partido rejeita os governos comuns com a classe dominante.
4) Reivindicações para a luta imediata e bandeiras históricas para além da ordem.
A defesa de melhores salários, o combate contra o desemprego e contra a corrupção, a luta pela reforma agrária, a luta por uma reforma tributária que taxe o grande capital, a luta pela reforma urbana são alguns exemplos de reformas verdadeiramente prementes, que devemos defender com a compreensão de que elas não se realizam plenamente nos parâmetros do sistema capitalista.
5) A defesa de um internacionalismo ativo.
São tempos de agressão militar indiscriminada do imperialismo. Os EUA se destacam como país agressor, que agora chefia a ocupação do Iraque, intervém na Colômbia, no Haiti, promove tentativas de golpes na Venezuela e apóia o terrorismo de Estado, de Israel contra os palestinos. A retomada do internacionalismo é objetivo do novo partido. Para além do nosso continente, temos que empenhar todo o esforço no apoio ao movimento anti-globalização, com seus fóruns sociais e suas mobilizações de massas iniciadas a partir de Seattle.
No caso das sistemáticas agressões, guerras de ocupação das grandes potências capitalistas, como no caso do Iraque, devemos levantar de forma inequívoca a auto-determinação dos povos e contra qualquer tipo de intervenção militar.
Parte II – Bases de análise e caracterizações
1) Aumenta a exploração do Brasil e da América Latina.
O caráter parasitário do sistema capitalista se faz mais evidente na atual fase da economia mundial. Somente uma parte do capital é mobilizado para adquirir matérias primas, ampliação de recursos humanos e investimentos, renovação de equipamentos produtivos. Sua maior parte se destina a especular sobre o valor futuro da produção, utilizando-se dos mais variados instrumentos especulativos, seja o câmbio das moedas, a dívida pública, a sobrevalorização dos terrenos, as ações das empresas e dos mercados futuros e os investimentos em tecnologia.
O atual regime financeirizado exige um grau bastante elevado de liberalização e desregulamentação das economias nacionais. E, por conta de dívidas externas nunca auditadas, impõe processos de privatização. Acordos como a ALCA e a propriedade intelectual também são fatores de aumento da exploração.
Por conta de benesses tributárias, tais como isenção de remessa de lucros e dividendos para suas matrizes, grandes corporações multinacionais já se apropriaram de mais da metade do capital de toda a indústria instalada no Brasil. Dominam diretamente 1/3 da indústria básica (petróleo, siderurgia, petroquímica, papel e celulose, agroindústria), mais de 80% da indústria difusora de tecnologia (aeronáutica, química fina, eletrônica) e metade de setores tradicionais da indústria nacional (bebidas, têxtil, alimentos, calçados). No setor de serviços aconteceu o mesmo, com a desnacionalização dos bancos, dos serviços de infraestrutura (como energia e telecomunicações) e até do comércio.
O mecanismo da dívida externa segue sendo fundamental neste processo de exploração e de domínio do imperialismo sobre o Brasil. Dos contratos de endividamento externo, disponíveis no Senado Federal, cerca de 92% deles têm cláusulas que permitem ao credor elevar as taxas de juros. Além disso, 49,5% dos contratos renunciam expressamente à soberania, indicando um foro estrangeiro para solucionar controvérsias. Por último, 38,36% dos documentos vinculam o recebimento do dinheiro à realização de programas do FMI ou do Banco Mundial, assim como 34,24% deles impedem o Brasil de controlar a saída de capitais.
2) A classe dominante brasileira é sócia da dominação imperialista.
A grande burguesia brasileira é sócia da dominação imperialista. Enquanto no Brasil mais de 50 milhões sofrem com a fome, apenas 5 mil famílias concentram um patrimônio equivalente a 46% da riqueza gerada por ano no país (PIB). Por sua vez os 50% mais pobres, isto é, 39 milhões de trabalhadores, detêm apenas 15% da renda nacional. Enquanto isso, os capitalistas brasileiros seguem especulando com os títulos brasileiros no exterior e mantém bilhões de dólares nas suas contas nas ilhas Cayman, nas Bahamas, nas ilhas Virgens e em depósitos nos EUA. Registrado legalmente no Banco Central, no final de 2002, havia US$ 72,3 bilhões de capitais investidos no exterior de residentes no Brasil. A ampla desnacionalização na indústria e no próprio sistema financeiro nacional — ocorrida nos anos 90 através de fusões e aquisições – foi aceita sem resistência séria de setores da classe dominante nacional; sob a aplicação do modelo neoliberal ficou evidente a incapacidade da classe dominante brasileira e suas oligarquias setoriais e regionais de opor qualquer resistência séria à dominação do capital financeiro.
3) Governo Lula: guinada doutrinária a serviço do capital.
A vitória de Luis Inácio Lula da Silva foi uma rejeição do modelo neoliberal lançado no governo Collor, mas consolidado organicamente nos dois mandatos de FHC. Seus 52 milhões de votos eram a base consistente para uma nova trajetória governamental.
Seu governo, no entanto, foi a negação dessa expectativa. Depois de quatro disputas, Lula entregou-se aos antigos adversários, e voltou as costas às suas combativas bases sociais históricas. Transformou-se num agente na defesa dos interesses do grande capital financeiro. Na esteira dessa guinada ideológica do governo, o Partido dos Trabalhadores foi transformado em correia de transmissão das decisões da Esplanada dos ministérios.
Parte III – Um programa de ação, de reivindicações dos trabalhadores e do povo pobre e medidas democráticas, anticapitalistas e antiimperialistas
Ainda que nos marcos de um programa provisório, uma primeira plataforma de ação deve ser capaz de sintetizar e concretizar, não um simples enunciado de palavras-de-ordem, mas a articulação das reivindicações dos trabalhadores e do povo com a necessária ruptura com o FMI, com a dívida externa e Alca, bem como sua ligação à mudança do regime social e a conquista de um governo dos trabalhadores e das classes populares exploradas e oprimidas no capitalismo.
O caminho da luta, da mobilização direta, do apoio às greves pelas reivindicações é o caminho central por onde passa a defesa por melhores salários, o direito ao trabalho, à terra, e para enfrentar os ataques do imperialismo, dos capitalistas e seus governos. Por isso, estamos pela defesa e o apoio às lutas dos trabalhadores, desempregados, camelôs, sem teto, sem terra.
1) Redução imediata da jornada de trabalho para 40 horas, sem redução dos salários. Progresso tecnológico a serviço da criação de postos de trabalho.
Mais de um milhão de trabalhadores perderam o emprego em 2003. A crise do desemprego foi transformada numa crise estrutural. É fundamental o combate contra a generalização das horas extras e a redução da carga horária para 40 horas semanais, rumo à jornada de 36 horas.
Denunciamos também toda e qualquer tentativa de demissões e redução dos salários com o pretexto da falta de trabalho. Diante das reclamações da patronal acerca das suas dificuldades, defendemos que suas contas sejam abertas e o controle da produção se estabeleça.
Defendemos também a luta dos desempregados e dos trabalhadores da economia informal. Contra a repressão aos ambulantes e pela defesa das cooperativas dos trabalhadores.
2) Abaixo o arrocho nos salários. Reposição mensal da inflação. Recuperação efetiva do salário mínimo. Aumento real dos salários.
Como via de acesso a um incremento produtivo mantendo o mercado interno comprimido, os juros elevados e o ajuste fiscal garantido, o governo federal aposta todas as fichas nas exportações. Este tem sido o plano fundamental dos capitalistas no Brasil. Mas para que os capitalistas brasileiros exportem, competindo com outros burgueses, devem manter seus produtos baratos. Para isso, continuarão pagando salários de fome aos trabalhadores da cidade e do campo. É o que os grandes empresários consideram uma vantagem comparativa brasileira.
Sem recomposição dos salários, não há distribuição de renda efetiva. Defendemos a reposição mensal da inflação e aumentos reais para os salários. Defendemos que os salários sejam capazes de garantir o mínimo necessário para o trabalhador e sua família, tal como diz a Constituição. O controle sobre a produção das grandes empresas mostrará os lucros capitalistas e as possibilidades de aumentos.
3) Reforma agrária, essa luta é nossa. Terra para quem nela trabalha e quer trabalhar. Apoio ao MST, MTL, CPT e todas as lutas pelas reivindicações camponesas. Prisão para os latifundiários que armam suas milícias contra o povo.
Há 12 milhões de trabalhadores rurais sem-terra no Brasil. O esforço exportador da política do governo federal tem sido centrado no agro-negócio, cópia do modelo FHC. Neste modelo exportador não há lugar para a reforma agrária, para o assentamento digno do homem no campo. Cerca de 56% das terras brasileiras estão nas mãos de 3,5% dos proprietários rurais.
Para os pequenos agricultores, para agricultura familiar e para as cooperativas só há um lugar totalmente subordinado, não de uma política de estímulo e de crédito pesado para a produção ao mercado interno.
Em suma, para conseguir algum avanço, aos camponeses e trabalhadores rurais sem-terra o único caminho tem sido o da mobilização, das ocupações de terra, bloqueio de estradas, ocupação de prédios públicos.
Nestas lutas, porém, os trabalhadores têm contra si a impunidade dos latifundiários. Temos visto à luz do dia a ação das brigadas paramilitares dos latifundiários e a repressão aos sem-terra. Defendemos as ocupações e ações de luta dos sem-terra. porque somente dessa forma será possível garantir uma reforma agrária verdadeira. Somente com uma reforma agrária desta natureza se pode garantir a produção para o mercado interno e acumular poupança no campo. Mas para tanto não existe saída para o campo brasileiro sem a expropriação das grandes fazendas, sejam elas produtivas ou não.
O apoio com crédito, pesquisa tecnológica, preço justo, são da mesma forma peças fundamentais para uma política de autêntica reforma agrária.
4) Por uma ampla reforma urbana. Moradia digna com condições dignas para todos.
Milhões de famílias vivem em áreas de risco, não apenas devido a enchentes e desabamentos. Há milhões que estão no dia a dia vivendo em péssimas condições, sem acesso a água, sem saúde, com transporte precário e esgotos a céu aberto. Mesmo levando em conta a possibilidade de melhorias nestas sub moradias, seriam necessárias mais de seis milhões e seiscentos mil moradias para combater o déficit habitacional do país.
Defendemos a mobilização dos sem-teto e dos movimentos populares por moradia. Somos a favor de uma ampla reforma urbana, que tenha na raiz o combate à vergonhosa especulação imobiliária.
5) Inverter radicalmente os gastos públicos para saúde, educação e infraestrutura.
O superávit fiscal do governo, que exclui o pagamento dos juros, foi o maior da história. Chegou a R$ 66,12 bilhões, o equivalente a 4,3% do PIB, maior, portanto, do que o acordado com o FMI, cuja meta era de 4,25% do PIB, ou seja, R$ 65 bilhões. Esta economia de recursos visando o pagamento da dívida, foi a essência da política do governo para dar confiança aos “mercados”, isto é, aos bancos e detentores dos títulos públicos. Além disso, a DRU — Desvinculação de Receitas da União — desvia bilhões do orçamento constitucionalmente garantido para a educação e saúde, para engordar o superávit primário.
É preciso investir pesadamente em infraestrutura, nas estradas, cada vez mais abandonadas, em energia, num país onde tivemos o apagão por falta de investimentos.
No campo da saúde pública, é necessário alçar essa política à prioritária, de modo que os recursos para ela dirigidos sejam suficientes para atender as necessidades de saúde da população. Basta de hospitais para ricos e hospitais para pobres! É necessária uma medicina gratuita e eficiente para todos.
Os investimentos públicos devem ser pesados na educação em todos os níveis, garantindo a alfabetização de toda a população e acesso às universidades.
6) Ruptura com o FMI. Não ao pagamento da dívida externa. Não a ALCA. Auditoria da dívida externa e da dívida interna. Desmontagem e anulação da dívida interna com os bancos. Controle de câmbio e de capitais. Por um plano econômico alternativo.
Os trabalhadores brasileiros não podem mais seguir pagando por uma dívida que não contraíram e nem os beneficiou. Se incluirmos a dívida interna com os grandes bancos, os gastos do setor público somente com o pagamento dos juros da dívida atingiram ao fim do primeiro ano do governo Lula R$ 145,2 bilhões, o que corresponde a 9,49% do PIB. Dois meses de pagamento dos juros equivalem ao gasto anual com o Sistema Único de Saúde. Dez dias de juros superam as verbas anuais do Programa Bolsa-Família. Uma montanha de recursos drenados para o cassino financeiro, superior inclusive a 2002, quando os juros pagos foram de R$ 114 bilhões, ou 8,47% do PIB. Por sua vez, o endividamento externo se aprofunda e atinge hoje quase US$ 220 bilhões de dólares.
É preciso romper essa lógica. Centralizar o câmbio e controlar a saída de capitais. É preciso dizer não ao FMI e ao acordo da ALCA — projeto de anexação do Brasil –, encabeçando um chamado pela constituição de uma frente dos países devedores. Em relação à dívida interna é preciso fazer uma auditagem da dívida, desmontar sua composição interna, anular a dívida com os bancos e preservar os pequenos e médios poupadores.
Assim, nosso programa resgata a decisão do tribunal da dívida externa realizado de 26 a 28 de abril de 1999, no Rio de Janeiro. Neste tribunal foi assumido um veredicto claro: a dívida externa brasileira, por ter sido constituída fora dos marcos legais nacionais, sem consulta ao povo e por ferir a soberania é injusta e insustentável, ética, jurídica e politicamente. Assumimos também o resultado do plebiscito realizado nos dias 2 a 7 de setembro de 2002, quando 94% de um total de mais de seis milhões de eleitores, sem campanhas na mídia e sem voto obrigatório, votaram soberanamente e definiram seu repúdio ao pagamento da dívida externa sem a realização prévia de uma auditoria pública. Um número também expressivo repudiou também o uso de grande parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos especuladores.
7) Abaixo as reformas reacionárias e neoliberais. Por reformas populares.
Desde Collor, FHC e agora Lula, os governos aplicam reformas (na verdade, contra-reformas), a serviço do Fundo Monetário e do Banco Mundial, como a reforma da Previdência que privatiza a Previdência pública, entregando-a aos banqueiros. Já aprovaram também, com o apoio do Congresso Nacional, a “Lei de Falências” que tem como prioridade a “garantia dos direitos dos credores”. Ou seja, o direito dos bancos em detrimento do direito dos trabalhadores.
A próxima é a reforma universitária, que vai aprofundar o sucateamento e a privatização branca das universidades públicas, conforme os interesses do Banco Mundial.
Finalmente, estão preparando a reforma sindical e trabalhista, com o claro objetivo de flexibilizar os poucos direitos ainda assegurados em lei, dando às cúpulas das centrais o poder de negociar tudo, à revelia da base.
Somos contras as reformas neoliberais. Somos a favor de reformas que sejam para melhorar a vida da maioria do povo, como a reforma agrária e a reforma urbana.
Temos a necessidade também de uma profunda reforma tributária, que inverta a atual lógica que faz os impostos pesarem fundamentalmente sobre o trabalho e o consumo, e não sobre a riqueza e a propriedade, fazendo com que quem ganha menos pague proporcionalmente muito mais imposto do que quem ganha mais.
Defendemos a taxação das grandes fortunas, pesados impostos sobre os mais ricos e alívio da carga tributária sobre a classe média e os pobres.
8) Abaixo as privatizações. Estatização das empresas privatizadas. Expropriação dos grandes grupos monopólicos capitalistas.
No Brasil de FHC a captação de dólares foi garantida pelas privatizações. Embora estas tenham perdido fôlego, não foram definitivamente enterradas, como atesta a carta compromisso do governo Lula e do FMI para privatizar quatro bancos estaduais, concretizada já no caso do Banco do Estado do Maranhão, comprado em fevereiro pelo Bradesco.
O balanço das privatizações durante o governo FHC mostra que tratou-se de entrega de patrimônio. O resultado financeiro das privatizações foi o seguinte: arrecadação de R$ 85,2 bilhões e gastos de 87,6 bilhões.
O governo brasileiro ficou sem as empresas e teve um prejuízo líquido de pelo menos R$ 2,4 bilhões com a entrega do patrimônio público para grandes empresas privadas. .
É preciso reverter este verdadeiro saque à Nação, começando pela reestatização das empresas privatizadas.
Mais do que isso, é preciso reorganizar o conjunto da vida econômica e social do país. Não é possível a produção ser destinada para o lucro em detrimento das necessidades da população. Uma minoria – latifundiários, especuladores, capitalistas e banqueiros – comanda o trabalho dos demais porque detém o controle dos meios de produção: os latifundiários controlam a terra; os capitalistas, os instrumentos de trabalho; os banqueiros, os recursos financeiros. Por isso, eles comandam a vida de todos os que, para trabalhar, precisam ter acesso a terra, instrumentos e recursos. Basta. A sociedade não pode organizar-se em torno do princípio da solidariedade e da igualdade produzir segundo as necessidades da população sem a expropriação desta minoria e o controle da sociedade sobre os grandes meios de produção e de crédito.
9) Confisco dos bens e prisão dos corruptos e sonegadores.
Há várias fontes de corrupção. As privatizações, a frouxidão no controle dos fluxos de capitais, facilitando e potencializando as remessas ilegais e a lavagem de dinheiro do crime. A não aprovação do financiamento público das campanhas eleitorais tem sido fator extra de relações de troca de favores entre os políticos que aceitam o financiamento privado das grandes empresas e seus financiadores. Temos também a corrupção no poder judiciário, político, policial. O governo do PT não tem mudado nada disso, como ficou evidente na operação abafa no caso Waldomiro-CPI. dos bingos.
Defendemos a investigação e punição dos escândalos de sonegação e corrupção – CPI´s e comissões independentes de investigação.
Os crimes do colarinho branco engrossam a lista da impunidade. Por isso não aceitamos os privilégios que FHC garantiu para si e para o qual teve o acordo do atual presidente Lula. Trata-se do Foro privilegiado para os presidentes da República não serem julgados depois de encerrados seus mandatos.
10) Contras as burocracias sindicais. Democracia nos sindicatos e nos movimentos sociais. Autonomia e independência frente ao Estado, governo e patrões.
Para impulsionar tanto as lutas imediatas quanto a construção de uma estratégia socialista, será fundamental combater as direções oportunistas que querem conciliar com a classe dominante e se submeter a seus interesses. Sempre vamos defender o princípio básico de que os trabalhadores devem confiar apenas na força da sua luta e organização independente. Os sindicatos viveram um longo processo de burocratização nos anos 90. Cresceram as burocracias sindicais – como a Força Sindical e a maioria da direção da CUT.
Nós defendemos a mais ampla unidade de ação com todos que queiram lutar pelas reivindicações e não aceitam o caminho da entrega de direitos da classe trabalhadora. Defendemos a luta coordenada entre sindicatos, associações de moradores, pela construção de movimentos e fóruns de luta comum por reivindicações concretas. Defendemos a democracia nos sindicatos e em todas as organizações dos trabalhadores, defendemos a autonomia e a completa independência das entidades dos trabalhadores do governo, do Estado e dos patrões.
11) Democratização dos meios de comunicação.
O chamado “quarto poder” não pode ser monopólio privado capitalista. Atualmente, as concessões de rádio e TV são feitas à políticos e empresários amigos dos donos do poder econômico e político. Temos conglomerados capitalistas controlando e manipulando a informação. Defendemos a democratização radical dos meios de comunicação, portanto o fim das concessões de rádios e TVs como estão sendo feitas atualmente. Com a comunidade cultural do país é preciso reorganizar os meios de comunicação; é preciso um novo sistema de comunicação no qual a comunidade cultural, os jornalistas, os educadores articulem com os movimentos sociais e o povo organizado uma efetiva participação e democratização da informação e acesso à cultura. Os movimentos sociais não podem ser marginalizados dos meios de comunicação. Defendemos as rádios comunitárias e sua legalização.
12) Contra a insegurança e pelo direito a vida.
O Estado brasileiro não garante o mais elementar direito à vida e à segurança. As instituições que segundo a Constituição e as leis servem para proteger o povo — a polícia, a justiça, o sistema penitenciário e o poder político — estão infestadas de máfias e corruptos. A corrupção policial é avalizada pelo poder judiciário que é protegido pelo poder político. É preciso desmantelar toda esta estrutura se queremos o mínimo de segurança. É fundamental a democratização das forças policiais e em particular do Exército, com o direito a livre organização política das tropas, com direito das tropas elegerem seus próprios comandantes; com direito de promoção, sem limites para a baixa oficialidade. O novo partido elaborará uma plataforma específica sobre esta questão fundamental com a participação de todos os seus militantes deste setor e com os movimentos sociais dedicados ao assunto. Da mesma forma será elaborado o programa sobre os direitos humanos, partindo de alguns princípios: Contra a impunidade dos assassinatos que atingem os movimentos populares no campo e na cidade, bem como as populações pobres. Contra a tortura praticada sistematicamente nas dependências policiais. Contra a criminalização dos movimentos sociais. Pelo direito à verdade histórica e à abertura dos arquivos do Exército sobre a guerrilha do Araguaia.
13) Pela preservação do meio ambiente.
A construção de um ideário de superação do processo capitalista reúne hoje, além dos tradicionais pressupostos socialistas, um grande impulso ainda mais vital ligado à questão ecológica. Esse fator pode contribuir decisivamente na reorganização dos trabalhadores internacionalmente.
Tendo claro que as forças de destruição irracionais acumuladas pelo sistema ameaçam o conjunto da humanidade e da vida no planeta, de tal forma que a luta contra o capitalismo significa a luta em defesa da ecologia, do meio ambiente e da vida, o novo partido elaborará sua plataforma ecológica com a intervenção direta do movimento ecológico nos próximos meses.
14) Combate ao racismo e contra a opressão dos negros.
A escravidão terminou como modo de produção – embora vergonhosamente tenhamos ainda no Brasil ilegalmente algumas áreas de trabalho escravo -, mas o racismo continua e os negros e as negras são os mais explorados e discriminados dos trabalhadores e do povo. Recebem menores salários do que os brancos; são os mais pobres, com menor acesso à escola e possibilidades de emprego. Chamamos o combate sem tréguas ao racismo, a toda e qualquer discriminação e repressão. Denunciamos como vendedores de ilusão e como pretensos defensores da luta do movimento negro aqueles que defendem a possibilidade de integração e de igualdade racial no capitalismo brasileiro. O movimento negro do novo partido irá discutir o programa necessário para enfrentar de modo eficaz esta luta.
15) Em defesa dos direitos das mulheres. Pela emancipação das mulheres.
Além das relações de classe, as mulheres estão submetidas a relações de opressão de sexo, que se reproduzem numa rígida divisão de trabalho e de papéis. As lutas feministas conquistaram muito nas últimas décadas. Há, entretanto, um longo caminho a percorrer na luta pela emancipação da mulher. A igualdade garantida em lei não se traduz na vida real. As mulheres vivem a dupla jornada de trabalho. São a maioria esmagadora nos subempregos e postos mais baixos na escala salarial e ainda recebem menos por trabalho igual ao dos homens. Defendemos o fim da discriminação sexual no trabalho, salário igual para função igual. Cada vez mais as mulheres assumem o posto de chefes de família, recaindo sempre sobre elas o cuidado com os filhos. As políticas públicas devem levar em conta esta realidade, priorizando, por exemplo, as mulheres nos programas habitacionais e de geração de emprego, bem como garantindo a existência de creches públicas nos locais de trabalho e estudo.
A violência é um dramático problema que atinge a população feminina. No trabalho são vítimas do assédio e abuso sexual, ameaçadas de perder o emprego se não cederam aos desejos de seus chefes. A cada minuto 3 mulheres são agredidas, 70% destas agressões ocorrem dentro de casa e a maioria das vítimas são mulheres pobres. Exigimos cadeia aos agressores, casas-abrigo para as mulheres vítimas da violência doméstica e punição ao assédio e ao abuso sexual. Nosso partido combate o machismo e a discriminação sexual, colocando-se na linha de frente da luta feminista. O movimento de mulheres do novo partido construirá ele mesmo o programa que impulsione este combate.
16) A luta da juventude é, no presente, a luta pelo futuro.
A luta da juventude é decisiva. Há demandas claras do novo partido. Emprego para a juvengude. Por uma escola pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade. Abaixo a repressão a juventude. Pelo direito a cultura e ao lazer. Os militantes jovens do novo partido já começaram a construir a juventude do partido e escreverão eles mesmos seu programa.
17) Em defesa das minorias nacionais.
O Brasil se formou na esteira do genocídio indígena. Uma formação, portanto, desde o início baseada na opressão da maioria dos seus habitantes. O genocídio, porém, não terminou com o índio brasileiro. Numa sociedade com socialismo e democracia também os povos indígenas poderão recuperar e desenvolver sua cultura, o que tem sido cada vez mais difícil no atual sistema. Atualmente, são mais de 370 mil pessoas indígenas, 210 etnias e 170 línguas faladas identificadas. A defesa das terras e da cultura indígena é uma bandeira permanente do nosso partido, bandeira impulsionada por outras nações e povos indígenas em toda a América Latina e que faz parte fundamental da luta pela autodeterminação nacional.
18) Em defesa dos aposentados e idosos!
Milhões de trabalhadores chegam à velhice sem direito à aposentadoria e, portanto, sem nenhuma garantia de renda que lhes permita viver dignamente. Isso é resultado da permanência – e hoje crescimento – da informalidade das relações de trabalho. É urgente garantir a todos, independentemente de sua capacidade contributiva, uma renda para o momento da velhice.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores que se aposentam, em sua grande maioria recebem aposentadorias baixíssimas, insuficientes para suas necessidades com saúde, moradia, alimentação. É preciso garantir condições dignas de vida para estes trabalhadores que durante anos produziram a riqueza do país.
Corrigir as injustiças e lutar para que sejam revistos e anulados os ataques aos aposentados executados nas reformas previdenciárias é parte das nossas bandeiras. Rejeitamos também a desvinculação do reajuste do salário mínimo do reajuste das aposentadorias. Por uma aposentadoria digna para todos.
19) Pela livre expressão sexual.
A perseguição à livre expressão sexual é uma constante que se expressa no trabalho, em locais públicos, no lazer. A repressão policial é uma constante contra lésbicas, bissexuais, gays, travestis, transexuais. A luta pelo direito a livre orientação sexual é uma luta nossa.
As mobilizações de centenas de milhares de pessoas em todo o país durante as chamadas paradas gays, com algumas marchas chegando a quase um milhão de pessoas, mostra o claro avanço da luta pelos direitos civis. Contra toda e qualquer violência e preconceito contra a orientação sexual dos GLBTS. Pelo reconhecimento da união patrimonial de pessoas do mesmo sexo e suas decorrências legais! Com estes princípios defendidos por todo o partido, os movimentos dos GLBTS construirão também o programa partidário sobre o tema.
20) A importância das tarefas democrático-políticas e a defesa das liberdades democráticas.
Os ataques do grande capital imperialista financeiro, sua busca por enquadrar todo o continente em uma ofensiva econômico-militar e com consequências jurídico-políticas como o da ALCA, fazem com que a defesa das liberdades democráticas e da soberania política do país sejam fundamentais para os socialistas.
O sufrágio universal é uma conquista. Combatemos o oportunismo expresso na posição que apenas vê importância nas eleições, mas combatemos também o sectarismo que despreza a importância das mesmas. As eleições, portanto, podem ser utilizadas pelos socialistas para chegar no povo trabalhador e contribuir no avanço de sua consciência e politização.
Queremos uma verdadeira Constituinte, soberana, democrática, capaz de reorganizar o país, instituir mudanças que tornem possível garantir educação, saúde, moradia, alimentação, trabalho e dignidade para todo o povo. Esta nova Constituição só pode ser resultado de um processo profundamente democrático, onde os constituintes não sejam eleitos sob o peso e a influência do poder econômico e da grande mídia. Tal bandeira não está colocada para a atual conjuntura, mas deve ser parte do programa de nosso partido conjuntamente com outras medidas democráticas.
Lutamos também por medidas democráticas radicais como a garantia de uma Câmara única com mandatos revogáveis. É importante igualmente se instituir e facilitar as decisões de temas nacionais relevantes por plebiscitos e referendos. Também o poder judiciário necessita de uma profunda reforma, mediante o fim da eleição dos juízes pelo presidente da República e a revogabilidade dos mandatos dos magistrados, com o recurso a participação popular nos julgamentos.
21) A luta da classe trabalhadora é internacional. Em defesa da solidariedade e da coordenação das lutas latino-americanas.
Defendemos a articulação política dos socialistas e internacionalistas de todos países, o apoio às lutas e a busca constante de uma coordenação das mesmas. Pela unidade dos trabalhadores e do povo da América Latina. Pela federação das Repúblicas da América Latina! Contra toda e qualquer intervenção imperialista na América Latina e no mundo, seja na Colômbia, na Venezuela, no Iraque ou na Palestina. Contra a vergonhosa intervenção do Brasil no Haiti, cumprindo o papel de tropas auxiliares dos Estados Unidos.
Consideramos decisiva a construção de uma frente de ação, política e social, que busque articular para a luta os movimentos e as forças sociais antiimperialistas no nosso continente. Na luta contra o imperialismo estamos pela mais ampla unidade de ação com todas as forças que estejam dispostas a uma ação concreta contra o mesmo

O SOCIALISMO É POSSÍVEL, NECESSÁRIO E URGENTE

O SOCIALISMO É POSSÍVEL, NECESSÁRIO E URGENTE

Afrânio Boppré
Economista, professor e secretário geral do PSOL

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é um partido de esquerda que nasce como necessidade de responder à crise que a esquerda brasileira vive. Sua existência não resultou apenas disso, mas tem aí uma motivação decisiva. A crise que nos referimos reside principalmente no fato de setores importantes da “esquerda” ter efetuado um radical transformismo político. A contestação intransigente ao capitalismo (o que deve caracterizar qualquer partido de esquerda) foi abandonada, cedendo lugar a uma posição de edulcorar a prática política de modo a se tornarem palatáveis aos interesses da classe dominante. No Brasil houve uma conversão, na medida em que esses setores que ameaçavam o sistema político e econômico em uma perspectiva pró-trabalhadores assumiram a função de garantidores da estabilização pró-classe dominante. Esse giro foi conduzido com muito cuidado de modo a não haver desidratação eleitoral. Perdeu-se a simpatia de setores organizados da classe trabalhadora, no entanto, compensado com políticas assistencialistas para outros setores. O pior: criou-se a falsa idéia de que este é o limite e como se tivéssemos chegado ao ótimo possível. O PSOL nasce a partir dessa circunstância e com a missão de quebrantá-la e recompor a idéia de que o socialismo não só é possível, como é necessário e urgente.

Numa conjuntura onde professores, bombeiros, técnicos administrativos das universidades federais, trabalhadores da Usina Hidrelétrica de Jirau em Rondônia dentre outros milhares de brasileiros apontam o caminho da luta como forma de responder a situação de precariedade de suas vidas, temos um governo respondendo por ajustes econômicos, para salvaguardar o pagamento da dívida pública na ordem de R$ 635 bilhões anuais, o que representa 44,93% do orçamento da União de 2010. Por outro lado esses dados da Auditoria Cidadã da Dívida acusam que somente 2,89% são destinados a Educação e 3,91% a Saúde.

Para o PSOL é urgente alterar a política econômica. A pauta brasileira não pode ser a de insistir com privatizações a exemplo dos aeroportos; de megaeventos com licitações secretas para favorecer a pilhagem; já temos sete meses de governo Dilma e aumentamos a taxa de juros cinco vezes alcançando 12,5% a.a. - a mais alta do mundo em termos reais. Dilma anunciou corte de R$ 50 bilhões no orçamento da União de 2011 com impacto direto para pessoal na ordem de R$ 3,5 bilhões; congelamento de salários; cortes no Ministério da Reforma Agrária na casa de R$ 1 bilhão.

Nosso “novo” governo está também minado por ardilosa estratégia fisiológica e corrupta. Postos chaves da república desmoronam em meio a escândalos de corrupção diários. Nossas florestas estão ameaçadas pela tramitação no congresso nacional do Código Florestal, que na prática é uma licença para desmatar e atender os interesses do agronegócio. Belo Monte figura como padrão não sustentável de desenvolvimento.

Estes aspectos são suficientes para o PSOL não aceitar os princípios programáticos do governo brasileiro em curso e se definir como oposição de esquerda e programática, sem contudo, deixar de se opor também firmemente aos partidos tradicionais da oposição de direita e conservadora que se opõem no varejo ao governo do PT/PMDB mas guardam grande afinidade no atacado.

O PSOL propugna em favor do ecosocialismo. No entanto, não concluímos que há na história um movimento direcional-linear em seu favor. A formação social capitalista produz contradições que abrem brechas para sua própria negação mas, por sua vez, sua superação exige um sujeito social forte e disposto a por um fim ao impasse histórico em que a humanidade vive. Impasse esse de múltiplas dimensões: econômica, ecológica, social, financeira, bélica, política e moral.

O capitalismo mesmo que cambaleante não ruirá por si mesmo. Nada nos garante que no bojo de suas crises iremos encontrar a oportunidade de sua superação. Partimos do pressuposto então, de que o capitalismo terá de ser derrubado e ninguém o fará sem ter o que colocar em seu lugar. Neste sentido, o socialismo deve ser visto como superação ao modo de produção capitalista. A estratégia para tal intento deve ser processual e obra de milhões de brasileiros e brasileiras. O PSOL se reivindica integrante desse sujeito histórico e está disposto a acumular forças e perseverar na construção de uma sociedade pós-capitalista. Atuaremos com os movimentos sociais, propugnando a auto-organização popular das classes trabalhadoras, sem o qual é impossível pensar em superação do capitalismo. Atuaremos pela via institucional com esta coerência. Basta ver que nossa bancada de deputados federais, estaduais e senadores dignifica os valores programáticos, éticos e ideológicos partidários socialistas.

Entendemos que a concepção partidária está relacionada com a formação econômico-social brasileira. Não há como conceber um partido sem considerar a situação e o momento histórico em que está inserido. Sendo assim, o PSOL quer se consolidar como partido amplo, plural, profundamente democrático e militante.

O PSOL é a um só tempo meio e fim. Meio porque se predispõe a ser instrumento a serviço dos explorados e oprimidos, instrumento para combater a homofobia, o racismo e o sexismo por exemplo, instrumento em favor da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, em favor da reforma política com financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, da educação pública de qualidade, de fortalecimento de políticas públicas para a saúde e mobilidade. O PSOL é meio porque opera como instrumento para a sociedade alcançar determinados objetivos, mas é também um fim, isto é: precisa ser construído, precisa de permanentes atualizações, de cuidado consigo mesmo para seu pleno funcionamento democrático e libertário. Sendo assim, jamais será obra acabada e está em permanente processo de construção. Consideramos que a “forma” partido não é dicotômica com a “forma” movimentos sociais. Por isso, não concordamos com a apresada conclusão de determinados (as) companheiros (as) que diante do sentimento de perda desistiram da estratégica tarefa de edificar um partido em favor da classe trabalhadora e caíram ou no movimentismo ou vestiram o pijama mediante gigantesca desilusão com o PT. Neste sentido o PSOL se dispõe a ser um aconchegante abrigo para a esquerda brasileira. E por isso afirmamos o PSOL como sendo um novo partido socialista em favor de uma nova política, essencialmente anticapitalista e radical na defesa dos direitos e interesses das classes trabalhadores e de todas as camadas e setores oprimidos na sociedade. Em síntese, para estes tempos de novos desafios após o transformismo político do que hoje já é uma velha esquerda, acomodada as benesses do estado, o PSOL é um partido indispensável e necessário!

CÓDIGO FLORESTAL DEPOIMENTO DOS PEQUENOS

Código Florestal: depoimento dos pequenos
Escrito por D. Demétrio Valentini   
Qui, 29 de Setembro de 2011

O Código Florestal tem tantas implicações que precisa ser visto de todos os ângulos para sopesar bem suas conseqüências. Um aspecto que não pode faltar, é o ponto de vista dos pequenos agricultores, enquadrados ou não nos limites da agricultura familiar.
 
Um aspecto que precisa ser enfrentado com clareza se refere aos equívocos da fiscalização dos pequenos agricultores por órgãos governamentais, com procedimentos completamente inadequados, violentos e desproporcionais, como dá para perceber deste depoimento que me permito trazer, com autorização dos seus autores. 

Eis o depoimento:
 
“Vou dizer, brevemente, como estão as coisas. Somos vistos como criminosos. Estamos sendo acusados por algo que não cometemos.
   
Onde moramos existe a formação de uma bacia hidrográfica. Ao longo de sua extensão, moram 48 famílias, que ali residem desde a colonização do município, faz mais de 90 anos. Estas famílias ocupam uma área com pouco mais de 2.000 hectares, são todos pequenos proprietários.
 
Em meados da década de 90, um grupo de pessoas ligadas à política, formalizou uma denúncia junto a Promotoria Pública acusando-nos de ter desbravado as matas, e que por isto seríamos nós os responsáveis pela falta de água na cidade em tempos de seca.
 
O promotor designou a polícia militar através da PATRAM para que realizasse a investigação.
  
Daí em diante as coisas ficaram difíceis. Fomos visitados várias vezes pela PATRAM (Patrulha Ambiental), sempre armados e com número elevado de policiais, SEMA (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), MP (Ministério Público), IBAMA e outros entidades.
  
Fomos multados. Estamos sendo processados por crime ambiental. Fomos obrigados a assinar termo circunstancial de ajustamento de conduta.
  
As multas tiveram diversos valores, de 500 até 10.000 reais. Se realmente tivesse sido aplicada a lei tal qual como ela é, várias famílias perderiam tudo, não teriam onde morar. Das 48 famílias que residem ali, 12 não sobravam nem terra para construir uma simples casinha para morar.
   
Apenas 30% destas famílias teriam condições de permanecer em seu local de origem. Formamos uma comissão, tentamos negociar , explicar a realidade de cada caso, mas de nada adiantou. Individualmente houve inúmeras autuações das mais variadas, porém sempre com extremo rigor e abuso. Há casos em que a ocorrência era uma coisa e o laudo era outro. As ameaças são fortes, vão de prisão até a perda da propriedade, multas e por aí afora.
   
As pessoas mais idosas e semi-analfabetas foram as mais visadas, nestes casos é uma aberração. Ali escreviam o que queriam e faziam os velhos agricultores assinarem sem saber o que era. Depois vinha o processo”.    

Este o depoimento. Ele traz à tona uma problemática muito séria, resultante de diversas circunstâncias, onde certamente não falta o abuso de poder, propiciado por equívocos da legislação em vigor, que necessitam urgentemente de correção.
    
Houve equívocos na nova lei, como o evidente exagero de simplesmente multiplicar por seis a largura das matas ciliares. Mas houve muitos equívocos na aplicação da lei, fazendo com que o IBAMA fosse mal visto pela grande maioria dos agricultores.
     
Tudo o que um Código Florestal não deveria provocar está espelhado neste depoimento, que faz pensar em tantos outros parecidos com ele.
     
O que precisamos é de um Código Florestal exeqüível, feito com bom senso, que sirva de referência positiva e de estímulo para todos se sentiram envolvidos na causa da preservação ambiental e da produção de alimentos para a mesa de todos!

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales.

A LIBERDADE DOS DONOS DA IMPRENSA

A LIBERDADE DOS DONOS DA IMPRENSA
“A informação pertence ao povo. Não pertence às autoridades.” Assim falou, Julio Muñoz, diretor-executivo da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), ao criticar a nova Lei de Serviços de Comunicação Audio Visual da Argentina.
Estranho. A lei argentina pode conter muitos erros,  mas nela está claro o objetivo de colocar a informação a serviço do povo. Por isso mesmo, sua regra mais importante é impedir a formação de monopólios no setor, coisa que lhes confere um poder despropositado sobre a população. E, que, além disso, pela ausência de concorrência à altura, acaba impondo o que eles querem apresentar e não o que seu público precisa ou deseja.
Limitando o número de licenças audiovisuais a 10 por empresa e obrigando as que já tem mais a se desfazerem do excessos no prazo de 1 ano, a lei vai estimular o aumento de empresas no setor e, portanto, a concorrência, o que, no regime capitalista, é sempre benéfico para o consumidor. Outra conseqüência lógica será a expansão dos postos de trabalho. Isso a SIP- como representante da Imprensa- deveria achar bom.
Errado.
Porque a SIP não é uma entidade de jornalistas, mas de empresas jornalísticas. A liberdade de imprensa que ela defende é a liberdade dos donos da imprensa administrarem e lucrarem com seus negócios. É simples assim.
Claro que os jornais, emissoras de Rádio e de TV privadas são quem tem as melhores condições de oferecer serviços de informação e entretenimento de qualidade.
Claro que eles têm o direito de defender seus interesses particulares.
O chato é quando conflitam com o direito do povo ser informado de forma correta e completa. Ou quando, sob a cobertura de entidades defensoras da liberdade de imprensa, apoiam ou se omitem diante de crimes contra os direitos humanos praticados por governos especialmente ditatoriais.
 Vejamos como a SIP tem se comportado nesse quesito.
Apoiou os governos selvagens de Somoza pai e do seu sucessor, Somoza filho.
Diante do golpe de estado que derrubou o Presidente Zelaya, de Honduras, limitou-se a lamentar. Mas deixou passar em branco a onda de perseguições e violências dos golpistas contra os órgãos de imprensa ligados ao governo deposto. Nesse período, 14 jornalistas foram assassinados (atestado por investigação da ONU) sem que a SIP desse um pio. Pelo contrário, Jorge Canahuati, dono dos jornais La Prensa e El Heraldo, representante da imprensa de Honduras na última assembléia geral da SIP, pagou uma campanha de relações públicas para legitimar o golpe nos EUA.
Danilo Arbilla, ex Presidente da SIP, foi Chefe de Imprensa da ditadura militar do Uruguai, período em que foi assassinado o diretor do semanário Marcha, Julio Castro, seqüestrados dezenas de jornalistas e fechados 14 meios de comunicação.
Os golpes de Pinochet, no Chile, de Jorge Videla, na Argentina, e contra Chavez, todos eles foram apoiados por jornais de destaque nas hostes da SIP.
No passado, na época dos pronunciamientos, sómente os governos que davam dores de cabeça aos EUA foram acusados pela SIP de atentados à imprensa. Assim foi com Peron e Alvarado, no Peru, por exemplo.
Agora que a América Latina é democrata de norte a sul (com uma ou outra exceção, é verdade) a história se repete.
Recentemente, Gonzalo Marroquin, atual Presidente da SIP, declarou-se preocupado com as ameaças à liberdade de imprensa no Equador, Venezuela, Bolivia e Argentina. O Brasil sem Lula parece que não assusta mais.
Fazendo uma breve análise, vemos que o casus belli equatoriano é o processo do Presidente Correa contra um jornalista e o jornal El Universo, que o acusaram de ter mandado atirar no povo. Não se provou nada e os réus foram devidamente sentenciados com multas e 4 anos de prisão. Grave atentado à liberdade de informação, bradou Marroquin...
Na Bolivia, a nova Lei Antiracial, também é condenada por impor sanções aos meios de comunicação que pregarem idéias racistas. Perigoso precedente no dizer da SIP.
Provavelmente , Chavez não esteja mesmo respeitando de modo fiel os direitos da imprensa local. Não se deve esquecer, porém, que, na Venezuela, quase toda a grande mídia é oposicionista radical. Move uma guerra sem tréguas e sem respeito ao governo, iniciada na tentativa de golpe , em 2002, que ela apoiou com entusiasmo. Pode não ser uma justificativa, mas é uma atenuante.
Quanto ao novo ordenamento legal do jornalismo argentino, vou citar alguém insuspeito, Frank La Rue, comissário da ONU para monitoração da liberdade de expressão. Ele considera a Ley de Medios a regulamentação de meios audiovisuais mais avançada do mundo.
A SIP não concorda. A Globo também.

SOLUÇÃO OU ARMADILHA


Solução ou armadilha
Escrito por Luiz Eça   
Qui, 29 de Setembro de 2011
 
O Ocidente acaba de fazer na ONU aquilo que sempre fez em séculos de relações com os povos árabes: trapaça.

Apresentou uma proposta que, ao mesmo tempo, salva Israel da condenação mundial, Barack Obama de perder totalmente a confiança dos árabes e os três grandes europeus (Reino Unido, França e Alemanha) de perderem face junto a seus eleitores e a governos do Oriente Médio com quem têm, ou esperam ter, bons negócios.

Só os palestinos é que saem perdendo, nesta maquiavélica urdidura do expert em tirar castanhas do fogo que é Sarkozy, Mas, vamos e venhamos, os palestinos não votam nas eleições americanas, pesam pouco nas européias (via emigrantes), não têm petróleo e nem são amigos de Rupert Murdoch, Berlusconi, Fox e outros grandes da mídia internacional...

Uma nova intifada, multidões árabes furiosas, aumento do terrorismo, passeatas de jovens nos EUA e na Europa, não são grande ameaça. Para isso, os EUA, Israel e as grandes potências européias estão equipadas com armas tão avançadas que só de ouvir sua descrição já causa pavor.

A proposta de Sarkozy foi assumida pelo quarteto ONU, EUA, Europa e Rússia, criado para solucionar o impasse palestino. Ela estabelece negociações entre as partes, com um ano de prazo para se chegar à criação do Estado palestino. Foi saudada como uma solução salomônica para o impasse que divide a ONU.

Impasse porque enquanto cerca de 180 países (entre 193) querem que a ONU reconheça a Palestina, os EUA prometem vetar no Conselho de Segurança. E com isso, suprema ironia, a posição de quase o mundo inteiro valerá menos do que a posição de um único país. Em outras palavras: a democracia, na prática, vai ser passada pra trás. Ficará para o terreno fácil da retórica.

‘Um contra o mundo’, até parece o título de um filme de um épico de Hollywood. Talvez com Charlton Heston e Vincent Price no papel de Sarkozy. O fim desse filme não deve ser dos melhores. Na certa, os palestinos, acabarão tendo de voltar pra casa de cabeça baixa e mãos vazias.

E Obama? Com que cara ficará? Não sairá mal junto a seu eleitorado e financiadores judeus. Terá argumentos fortes para enfrentar as acusações republicanas de que ele estaria traindo Israel. E para conquistar muitos votos e dólares desse segmento.

Mas, não é só de eleições que vivem os presidentes americanos (embora, para eles, costume ser o fundamental). No presente caso, o apoio à causa de Israel também terá seus lados desconfortáveis. Se acontecer, a Arábia Saudita – preciosa e petrolífera aliada - ameaça mudar para uma postura independente; o Egito e a Tunísia, onde os EUA derramam dólares para conquistar líderes democráticos, serão perdidos; a Turquia poderá aproximar-se do Irã; os líderes palestinos moderados serão superados pelos radicais; centenas, senão milhares de jovens muçulmanos, farão filas para entrar nos movimentos terroristas; a imagem americana que, em todo o mundo, está entre ruim e péssima, tenderá muito mais para segunda alternativa.

Foi para salvar o governo Obama (pelo menos parcialmente) de todas estas tragédias que Sarkozy, também para melhorar sua imagem não muito boa na própria França e no mundo muçulmano, apresentou sua proposta. Que, por tabela, beneficia Cameron, rejeitado nas últimas pesquisas junto ao povo inglês, que também se mostrava, em sua maioria, favorável (53% x 38%) ao reconhecimento do Estado palestino.

Todos os membros do quarteto de peacemakers toparam a idéia do engenhoso Sarkozy. Obama e a Comunidade Européia aplaudiram de pé. A ONU e a Rússia, pelo menos, não se opuseram.

Netanyahu, pressuroso, concordou logo. Lógico, sua política é adiar decisões o mais possível, até não haver mais territórios palestinos a serem negociados. E, como o plano Sarkozy não previa o reconhecimento obrigatório da Palestina pela ONU, se não houvesse acordos entre as partes, o sonho palestino não se realizaria nem em fins de 2012. A luta pelo reconhecimento do Estado palestino teria de ser reiniciada e rediscutida na reunião da ONU, somente em setembro de 2013, quando então ninguém sabe o que poderia acontecer. Quem sabe, outra proposta dilatória.

Abatido, sem forças, o moderado Abbas, presidente da Autoridade Palestina, cedeu. Mas, exigiu o óbvio. Para se iniciarem as negociações, nada de novos assentamentos. De fato, se a idéia era negociar a entrega à Palestina dos assentamentos judaicos em seu território, como continuar construindo mais assentamentos?

Interromper os assentamentos seria uma concessão. Pequena se considerarmos o quanto a proposta de Sarkozy era vantajosa para Israel. Mas Netanyahu disse não. Não é hábito de Israel fazer concessões, mesmo que favoráveis a seus bons amigos de Washington. É o que assegura o próprio Robert Gates, Secretário da Defesa na era Bush. Ele afirmou ao National Security Council Principals Comittee que o governo de Israel é um “aliado ingrato”, ao qual “os EUA dão tudo, sem receber nada em troca”.

E por que o fariam? Netanyahu sabe que não precisa atender aos EUA – nem um mínimo - para conseguir que os americanos façam o que Israel quiser.

No caso presente, ele não vê porque dar uma colher de chá a Obama, parando os assentamentos com o fim de viabilizar a proposta de Sarkozy, tão importante para os EUA.

Chova ou faça sol, Washington e seus followers europeus, de qualquer jeito, irão votar contra a Palestina. E para mostrar que seu “não” é pra valer, o governo Netanyahu acaba de autorizar a construção de mais 1.100 casas na parte árabe de Jerusalém. Protestos gerais no Ocidente por verem sua saída fechada.

Hillary Clinton considerou a ação israelense “contrária a nossos esforços para reassumir negociações diretas entre as partes”. Jay Carney, Secretário de Imprensa de Obama, disse que o governo estava “profundamente desapontado”. Para a Chefe de Política Externa da Comunidade Européia, Catherine Ashton, a decisão israelense “precisaria ser revertida”.

E a ONU, através do seu coordenador especial para o processo de paz no Oriente Médio, Robert Serry, foi enfática: “Os projetos dos assentamentos são contra a lei internacional e destroem a retomada das negociações em busca da solução dos dois Estados para o conflito”.

Por enquanto, tudo em vão: 1.100 novos assentamentos estão a caminho, com o apoio entusiástico da direita israelense, ora no poder. Alguns dos seus principais líderes, os presidentes do Likud (o partido do governo) e dos partidos Shas e Habayit Hayeudi, mais o líder da União Nacional, acham que o governo deve fazer algo mais contra os árabes do que apenas continuar assentando colonos israelenses em suas terras.

Eles mandaram uma carta apelando a Netanyahu para que imponha sanções à Autoridade Palestina por seu atrevimento em recorrer à ONU. Querem a anexação oficial de todos os assentamentos na Cisjordânia ao Estado de Israel, o aceleramento da construção de assentamentos e a proibição de qualquer construção palestina nas terras sob controle do Exército de Israel.

Netanyahu está longe de ver com maus olhos tais proposições. Não vamos esquecer que, não faz muito tempo, o premier israelense andou declarando diversas vezes que toda Samaria e Judeia (ou seja, a Cisjordânia) pertencem ao povo judeu.

No entanto, atualmente, Netanyahu parece visualizar a idéia de que, no futuro mais remoto possível, (ele ou algum sucessor) poderá admitir uma Palestina independente.

Claro, desenhada por mãos sionistas de extrema-direita e empurradas goela abaixo dos palestinos, então, esgotados por dezenas e dezenas de anos de lutas inglórias e artimanhas diplomáticas.
                                       
Nessa perspectiva, a proposta dilatória de Sarkozy seria perfeitamente adequada. Além do que está sendo impulsionada por pressões nervosas dos EUA e dos três grandes europeus.  Não é que elas assustem o governo de Israel, mas atendê-las certamente lhe trará prazerosas compensações.

Pensando assim, Netanyahu até que poderá aceitar um abrandamento da proposta original de Sarkozy. Talvez tornar a interrupção dos assentamentos praticamente inócua, excluindo os processos já iniciados, ainda que na fase de indicação das áreas a serem utilizadas. E, é claro, todos os previstos para qualquer parte de Jerusalém.

Não seria nada fácil convencer os árabes. Se não fosse possível, restaria a Obama & friends, usando seus vastos recursos midiáticos, espalharem pelo mundo que eles fizeram de tudo, mas nada conseguiram devido à intransigência árabe.

Como se vê, o desfecho do caso do reconhecimento palestino depende de muitos “ses”.
Um happy end para o pedido palestino pela ONU não está à vista. Há grandes chances de dar certo a armadilha, feita para salvar a face dos grandes do Ocidente e deixar os palestinos de mãos e esperanças vazias.

Claro, pode não acontecer. Basta Netanyahu reafirmar seu “não” à paralisação dos assentamentos. Ou Abbas recusar possíveis novas jogadas que o engenhoso Sarkozy, ou algum dos seus parceiros, criarem para driblar o direito dos palestinos de terem um Estado.

Findo o evento, a ONU, mais uma vez sairá desmoralizada. E aos palestinos, tendo as portas fechadas para suas justas reivindicações, o que lhes restará fazer?

O Oriente Médio em chamas é uma triste visão que não pode ser descartada.
 
Luiz Eça é jornalista.
Website: www.olharomundo.com.br