Recentemente, Lucinha Araújo, mãe do falecido cantor Cazuza, deu uma declaração em uma entrevista que serviu para colocar fogo (e bastante) na CPI do Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Perguntada sobre a crise que atingiu a instituição, que arrecada e distribui os direitos autorais no ramo da música, Lucinha foi taxativa: “Eles metem a mão há muito tempo, isso não é novidade”. Na mesma entrevista, ela diz que a Sociedade Viva Cazuza (que dá assistência a crianças e adolescentes carentes portadoras do vírus da Aids) depende do dinheiro arrecadado pelo Ecad e que, nos últimos anos, esse repasse caiu substancialmente. A coordenadora de projetos da ONG, Christina Moreira, relata que a Viva Cazuza teve que abandonar três projetos importantes por falta de verba. “O Cazuza faleceu há 21 anos e com o tempo é natural a diminuição na arrecadação de direitos autorais. Primeiro porque não tem nada novo e também porque o artista não está aqui para se promover. Mas o que a gente vê é que ele ainda é bastante tocado e, mesmo assim, percebemos uma grande diminuição nos repasses”, diz. Sobre o assunto, o gerente executivo de distribuição do Ecad, Mario Sergio Ramos, enviou uma nota à imprensa, dizendo que “todo o trabalho do Ecad é pautado pela ética e transparência”. “Informamos que nos últimos cinco anos foram pagos aos herdeiros de Cazuza R$ 1.240.483,12 referente à execução pública de suas músicas em território nacional. Vale ressaltar também que o Ecad distribui apenas o dinheiro recolhido da execução pública musical, não sendo, portanto, de responsabilidade da entidade o repasse de verba por venda de CDs”, continua o texto. Para apurar denúncias como essas, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) sugeriu a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Ecad, da qual hoje é presidente. As sessões começaram no último dia 2 e a CPI tem 90 dias pra concluir suas investigações, prazo que pode ser prorrogado por mais 30 dias. “Uma das ideias é debater o modelo do direito autoral. Queremos ouvir as pessoas que controlam isso no Brasil. Ao final dos depoimentos, podemos concluir que o modelo atual está bom, mas não é o que me parece até agora”, explica Rodrigues. A CPI teve apenas uma reunião oitiva e um dos depoimentos foi de Samuel Fahel, ex-gerente jurídico do Ecad, que garantiu que diretores e colaboradores da entidade recebem bônus a cada vitória obtida na Justiça. Sobre a vitória do Ecad sobre a TV Bandeirantes, um processo de R$ 76 milhões, ele mencionou que metade dos 10% que deveriam ser destinados aos honorários advocatícios foi dividida entre a diretoria da instituição. ” Cada depoimento abre uma perspectiva e vemos que tem muita coisa para ser desvendada” “As testemunhas dão indícios de novas fontes de investigação. Cada depoimento abre uma perspectiva e vemos que tem muita coisa para ser desvendada. A questão abordada por Fahel dá conta de algo paradoxal: o Ecad é uma entidade privada sem fins lucrativos. Mas essa postura de divisão de honorários é característica de uma entidade com fins lucrativos”, questiona o presidente da CPI. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ecad informou que a afirmação do ex-funcionário não condiz com a verdade e que não há distribuição de lucros na instituição. Aproveitou para esclarecer que nenhum detentor de direito autoral tem obrigação de se filiar a nenhuma das nove associações que integram o Ecad, pois podem realizar suas cobranças por conta própria.
Críticas No meio artístico, a insatisfação com a instituição não é segredo. O músico Dicró, por exemplo, reclama do pouco que recebe de direitos autorais, cerca de R$ 300 por mês. “Recebo muito mal, eu e todo mundo. Passo até vergonha quando falo. Porque o direito autoral é a terceira maior arrecadação em todo o país. Eu recebo essa mixaria e tenho mais de mil músicas gravadas. Pior que tem gente que gravou uma ou duas música e ganha mais de R$ 1 milhão. Se eu fosse broxa, nem Viagra dava pra comprar”, brinca o sambista, que se diz roubado. O pianista Márvio Ceribelli também recebe seus direitos autorais pelo Ecad. Ele observa que a música rende muito mais dinheiro do que se imagina, e que nem o próprio músico tem ideia de quanto dinheiro está envolvido. Uma de suas críticas é o grande atraso dos repasses. “Eu recebo essa mixaria e tenho mais de mil músicas gravadas” “Recebi agora um crédito retido que era de 2009. Não sei exatamente aonde que atrasa e porque o crédito fica retido. Só sei que tem muita coisa para rever. Há pouco tempo eu soube de coisas absurdas, como pagamentos a pessoas que não existiam. A CPI é muito bem-vinda para moralizar. É muito dinheiro envolvido, e se esse recurso não está indo para as pessoas certas, isso está errado”, critica. Para Randolfe Rodrigues, é preciso abrir a “caixa-preta” do Ecad. Segundo ele, há indícios de sonegação, má aplicação dos recursos, formação de cartel, entre outros. Para ele, o principal erro é não ter fiscalização. “Não considero correto um modelo de direito autoral em que a entidade arrecadadora não se submete a nenhum tipo de fiscalização. Na democracia, todos estão sujeitos à fiscalização. Dos 127 países que têm modelos de direito autoral, 114 tem algum tipo de fiscalização e acompanhamento da entidade responsável”, informa. O Ecad, por sua vez, garante que é auditado anualmente e que todas as informações, inclusive seus balanços, estão disponíveis no site. A instituição também lembrou que, até o momento, não foi convidada para depor na CPI, apenas pessoas e entidades com quem mantém disputas judiciais.
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