Redemocratização e Saúde: a Nova República
Em março de 1985, depois da luta pelas eleições diretas, que mobilizaram
todo o país com uma frente ampla de todos os opositores ao regime militar, con-
quistou-se a instauração de um governo civil, eleito de forma indireta em janeiro,
tendo como Presidente da República Tancredo Neves e, como Vice-Presidente,
José Sarney. Com a morte de Tancredo, em 21 de abril, Sarney assume o posto de Presidente da República. Em 1986, instala-se uma Assembléia Nacional Constituinte, aproveitando-se os próprios congressistas eleitos.
A chamada “Nova República”, inaugurada nesse ano de 1985 e demarcatória do encerramento da ditadura militar, instaurou-se como uma transição negociada entre segmentos dissidentes da base de sustentação do regime anterior e segmen-
tos oposicionistas também emergentes da democracia de fachada consentida pelo Estado autoritário, em um pacto pelo alto, das elites, excluindo a participação popu-
lar que se manifestara, em ampla mobilização, na Campanha das Diretas-Já11.
O governo José Sarney expressava literalmente esse acordo, o que lhe confe-
ria um talhe conservador, pois, excluídos os ministros militares, foi dividido meio
a meio entre fi guras originárias das oposições consentidas pelo regime militar e
fi guras provenientes do PDS, via Frente Liberal, ou da ex-Arena, via Partido Po-
pular (Faleiros, 1986). Um ministro progressista anulava um conservador, tornan-
do necessária a arbitragem pessoal do presidente nos confl itos. Por outro lado,
apresenta-se um discurso de consenso, moralização e competência na relação
Estado-sociedade (idem ibidem).
Mediante o consenso, deveria ser estabelecido um pacto político e um pacto social: “[...] o pacto político deveria estabilizar as relações entre os partidos para a renovação da legislação de exceção [o chamado entulho autoritário] e o pacto social deveria viabilizar a paz social com um acordo entre operários e patrões, ou seja, au-
sência de greve em troca de certas concessões salariais” (idem ibidem:32).
No entanto, ambas as pretensões vão se tornando inviáveis, quer em função da heterogeneidade, contradições e disputas de poder entre os integrantes da Aliança Democrática (PMDB e PFL), quer da difícil herança econômico-social legada pela di-
tadura: infl ação alta, défi cit público considerável, crise previdenciária, dívida externa impagável, a ponto de, posteriormente, ser declarada moratória junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI.
Em tal conjuntura, a liberalização política e a ascensão dos movimentos so-
ciais desencadeiam um conjunto signifi cativo de greves nos mais diversos seto-
res12. Nesse quadro de profunda assimetria política e de desigualdade social, o
governo utiliza três recursos como resposta às pressões e demandas sociais: a
institucionalização dos confl itos, a compensação limitada e a emergência social
[pão e ordem] (Faleiros, 1986), visando ao controle social, no sentido tradicional,
do Estado sobre a sociedade.
Com o objetivo de impedir grandes manifestações populares, os confl itos e
manifestações passam a ser internalizados e negociados nos aparelhos estatais,
assim como o pacto político no Congresso Nacional. O controle se estende à ela-
boração da nova Constituição, a ser feita em comissões. As greves são mediadas
pelo Ministério do Trabalho, desde que se aceite o “acordo” imposto pelo Esta-
do. Contestações de novos sujeitos coletivos (artistas, mulheres, negros e índios)
são atendidas, total ou parcialmente, com a criação de espaços institucionais
específi cos para tais categorias, no âmbito do Estado.
A emergência social atende a população carente nos marcos de um diagnós-
tico segundo o qual a desigualdade não era vista como estrutural e orgânica,
mas temporária e transitória (idem ibidem:34).
Nos espaços abertos pelo processo de transição política e redemocratização,
ganha visibilidade, também, o embate entre setores privatizantes e segmentos
sociais estatizantes, em torno das políticas públicas e de suas derivações, como a
distribuição e o uso dos recursos. São desenvolvidas estratégias de legitimação,
controle, negociação e concessões políticas.
O governo Sarney constituía um conjunto de forças políticas heterogêneas, conservadoras e progressistas, o que acabou resultando em um jogo de interesses opostos, privatistas de um lado, estatizantes, de outro, sem uma nítida hegemonia de uma das partes. Essa crise de hegemonia já provinha, em tempos recentes, dos últimos governos da ditadura, mesmo se valendo o regime de mecanismos autoritá-
rios para impor seus pressupostos.
A correlação de forças, em disputa, no interior do Estado, explica as difi culda-
des de implementação da Reforma Sanitária: os avanços no plano institucional não correspondem às políticas e ações do Executivo, há um ponto mesmo em que as teses e projetos reformistas são combatidos por seus adversários privatistas e pela burocracia previdenciária.
fonte: Ministério da Saúde/ Histórias da Reforma Sanitária
e do Processo Participativo
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