quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

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CHICO ALENCAR: ‘AQUELE PT DO QUAL FIZ PARTE MORREU E NÃO VOLTA MAIS’

publicado no dia 23/02/11 
Ex-petista, o deputado Chico Alencar (RJ), hoje no PSOL, frequentou a sessão em que foi votado o salário mínimo como espécie de alterego de seu antigo partido.
21/02/2011
Levou ao microfone e às conversas de plenário temas caros ao ex-PT. Assuntos que, hoje, sobrevivem apenas nas profundezas do subconsciente do PT.
Formado em História, Chico disse que a sessão de quarta-feira (16), marcada pela contradição, o fez recordar de um ensinamento de Eric Hobsbawm.
“Ele diz: os historiadores são recordadores profissionais daquilo que os cidadãos querem esquecer”. Vai abaixo uma entrevista concedida por Chico Alencar ao blog:
Achou que seus ex-colegas de PT estavam constrangidos ao aprovar o mínimo de R$ 545? Sim. E nós, que conhecemos muito a história do PT, às vezes dizemos coisas que incomodam. Levantamos alguns pontos naquela sessão.
Por quê? Sou formado em história. Na sessão do salário mínimo, lembrei instantaneamente do Eric Hobsbawm. Ele diz: os historiadores são recordadores profissionais daquilo que os cidadãos querem esquecer.
Compadeceu-se do deputado Vicentinho (PT-SP) por ter esquecido o passado sindical? Não. O Vicente é um cara sereno, responsável pelas escolhas.
Não se compadeceu nem na hora das vaias? Ele levou lá uma vaias, é sempre constrangedor. Mas não me compadeci. Achei que ele assumiu um papel que contraria a história dele. Mas já estou acostumado. Petistas defenderem o governo incondicionalmente tornou-se a regra. O PT não tem mais espírito crítico. O Vicente entrou nesse time. Se houve constrangimento, foi logo superado pelo telefonema da Dilma. Li que ele se considerou recompensado.
Conseguiu entender por que a CUT fez pouca pressão sobre os deputados? A CUT não fez pressão nenhuma. Isso sim, foi constrangedor, inclusive pra mim. Desde a manhã, ao chegar à Câmara, eu procurava a CUT. Tinha lá um ou outro gato pingado. Omissão incompreensível para entidade que sempre se bateu pelo mínimo.
Havia gente da CUT nas galerias? Apareceram uns seis ou sete. Ficaram num cantinho, escondidos. E logo foram embora. Enquanto estiveram lá, não se manifestavam. Não vaiaram, não viraram de costas para o plenário como os outros.
O que achou do protagonismo da Força Sindical? Foi outro ponto curioso de uma sessão repleta de excentricidades. A Força Sindical, que a CUT sempre considerou pelega, liderou um pleito de trabalhadores. O Ivan Valente [PSOL/SP] brincou: ‘As coisas estão tão trocadas no Brasil, que passou a existir o peleguismo combativo’.
O Paulinho (PDT/SP, presidente da Força Sindical) ouviu a pilhéria? Fiz questão de chamá-lo. Eu disse: Paulinho, olha o que o Ivan tá dizendo aqui.
E ele? Riu muito. O Paulinho me disse: ‘É, pelego tem limite também, né?’.”
No papel de recordador do passado, citou o Dieese. Por quê? Citei porque ninguém mais se lembra dele. O Dieese sempre foi referência para o PT. E incomodava muito o PSDB e o PFL, hoje DEM, quando eram governo. Para o Dieese, o salário mínimo ideal, o valor que atenderia às necessidades do trabalhador tal como previstas no artigo 7º, inciso 4º da Constituição, é de R$ 2.227,53. Ninguém mais fala nisso. O Dieese virou o grande esquecido.
O PSOL propôs um mínimo de R$ 700. De onde tirou o valor? Não foi um número sacado a esmo. Considera a inflação da cesta básica. Os produtos consumidos pelos mais pobres subiram mais que os outros. Levamos um carrinho de compras para a entrada do plenário, para mostrar que o valor proposto pelo governo não corrigiu o salário mínimo propriamente pela inflação.
Por que a emenda do PSOL não foi a voto? A gente obteve as assinaturas do PSDB, PPS e DEM, para permitir que a emenda tramitasse. Mas, no plenário, o Vicentinho, que era o relator, considerou a nossa proposta inconstitucional, sob o argumento de que incluía a retroação do reajuste. E havia um acordo.
Que acordo? As lideranças combinaram que, naquela noite, haveria apenas duas votações nominais. Quem tem as maiores bancadas prevalece. Foram votadas as emendas do PSDB [R$ 600] e a do DEM [560]. Eu brinquei: a nossa emenda, que mais se aproximava do preceito constitucional, foi considerada inconstitucional.
Recordou no microfone o autoreajuste dos parlamentares e o aumento dado a ministros e à presidente. Incomodou-se com o contraste? Considero revelador que o salário mínimo tenha sido votado num ambiente de incoerência máxima. Para o mínimo, aumento de 6,7%. Para os parlamentares, 61,8%. Para os ministros e a presidente, a elevação passou de 130%. Fiz questão de lembrar que o ministro Guido Mantega [Fazenda], tão preocupado com o quadro fiscal, não se queixou do aumento que recebeu. Tudo isso foi esquecido naquela sessão. Fomos tão céleres para aprovar o reajuste da cúpula dos Poderes e tão parcimoniosos na hora de votar o salário básico do trabalhador brasileiro. Constrange.
Sentiu-se aliviado por ter deixado o PT em 2003? Vi deputados novos do PT incomodados, quietinhos. Verifiquei que aquele PT do qual fiz parte morreu e não volta mais. Os dois deputados do PT que votaram num salário um pouquinho maior [R$ 560] e os sete que faltaram à sessão conservam um pouco daquele velho espírito petista. Mas estão esmagados.
A experiência mostra que esquerdista é um direitista que ainda não chegou à chave do cofre. Não acha que o PSOL, na hipótese onírica de chegar ao poder, viraria um PT? O Carlito Maia, petista histórico, dizia: quando a esquerda começa a contar dinheiro, já deixou de ser esquerda.
Há o risco, portanto. Sim, há esse risco. A história mostra que partidos revolucionários vão se tornando conservadores à medida que a institucionalidade exige. Levam bandeiras históricas ao armário. Mas creio que, embora isso seja recorrente na história, não é uma condenação ou um determinismo. Alguma mudança sempre pode haver, mas não um transformismo tão forte como esse que infelicita o PT. Chegou-se a um ponto em que o partido não admite nem discutir o salário mínimo. Houve alguma recuperação do valor na Era FHC, um pouco mais na Era Lula. Mas em valores muito inferiores aos padrões que o PT sempre defendeu.

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