sábado, 5 de novembro de 2011

Mauro Iasi - Vaias, esquerda e direita.


Vaias, esquerda e direita.

A vida é dura. A resposta de Valter Pomar ao colunista Clovis Rossi, merece alguns comentários. Primeiro o dever de solidariedade com todo mundo de esquerda que tem a dificuldade em explicar as contradições de um governo como o de Lula, segundo contra o verdadeiro reino da opinião em que se transformou o que deveria ser jornalismo.

            Feito isto vamos aos fundamentos do debate: o PT pode ser considerado, hoje, um partido de esquerda? Comecemos por afirmar que existem setores de esquerda hoje no Partido dos Trabalhadores, pessoas e correntes que resistem ao endireitamento da legenda pela sucessiva hegemonia de um núcleo dirigente que, este sim, deixou de ser de esquerda.

            A posição de esquerda ou direita (deveríamos nós acrescentar que existe o centro), foi duramente questionada pela academia e pelo pensamento pós-moderno, que afirma, como em Guiddens, por exemplo, que esta polaridade não mais caberia em uma sociedade pós-industrial e com o enfraquecimento das classes como determinantes nas formações sociais contemporêneas. Sabemos que isso não corresponde aos fatos e a dinâmica da luta de classes continua tão ativa como a necessidade de definir o posicionamento político das organizações como de direita ou de esquerda.

            Nesse sentido, o resumo de Valter é preciso até certo ponto: “o governo Lula é de coalizão partidária (entre partidos de esquerda, centro e direita) e social (entre setores da classe trabalhadora e setores do empresariado). Não é, portanto, um governo petista ou de esquerda, pelo menos não no sentido que emprestávamos a este termo nos anos 80, quando falávamos de "governo democrático-popular”. A questão seria, conforme Valter, se seria legitimo um partido de esquerda apoiar tal formação de governo.

            A confusão começa quando se caracteriza o governo Lula como sendo de “centro-esquerda”. Ora, um governo de aliança, partidária e social, com o centro e a direita, não pode ser considerada de “centro esquerda”, mas se aproxima mais do desejo, aliás expresso nas resoluções do 12º Encontro, de uma ampla frente de unidade nacional, que pega tudo, desde setores empresariais de qualquer porte, até setores sociais do proletariado passando pelos setores médios.

            Podemos afirmar, de maneira absolutamente objetiva, que estamos diante de um governo de centro-direita. O pólo que daria contornos de esquerda ao governo, o PT (aqui como síntese da correlação de forças que se resolve por uma hegemonia à direita), dirige e coesiona todo o projeto tendo por base um programa conservador e moderado, ocupando, na dura realidade dos fatos, o papel de centro e não de esquerda. Ora se a força que deveria ser de esquerda, age como centro, o resultado é um governo de “centro-direita”.

            Continuemos, no entanto, considerando válida a formulação: pode uma força de esquerda apoiar um governo de centro direita, como mediação possível dentro de uma dinâmica maior da luta de classes? Logicamente que sim. Mas, ocorre que não é o caso.

            Primeiro porque a “esquerda” não se coloca como atônita diante de um quadro de forças em que é obrigada a apoiar uma força menos conservadora contra outra, mais conservadora. O PT ocupa o papel, na formação do governo e na definição da linha geral da estratégia a ser seguida, da força menos conservadora. Uma opção de caminho que, como sabe a esquerda do PT, não era, em absoluto, a única. Ao fazer um governo verdadeiramente de centro-esquerda, o PT poderia forçar um outro quadro de correlação de forças, impondo aos demais setores sociais a equação de alinhar-se a uma alternativa à esquerda contra uma reação de direita. O que ocorreu não foi isto, ao apostar numa inflexão ao centro e depois à direita, OPT desarmou os setores sociais e os trabalhadores e circunscreveu o debate entre duas alternativas moderadas, na verdade de centro e de direita.

            Segundo, pelo fato que as alcunhas de esquerda, centro e direita, não devem ser manifestações de desejos e boas intenções, mas são expressões de posições de classe, isto é, não do que esta ou aquela classe, ou indivíduo que a compõe acredita em cada momento, mas como dizia Lucáks, o que representa o horizonte histórico de cada classe. Enquanto a política de direita é a expressão dos interesses do grande capital monopolista na manutenção das relações capitalistas de produção, o proletariado necessita superar as relações do capital na perspectiva de uma nova forma social. O centro é a expressão da pequena burguesia, que lamenta o antagonismo e luta para transformar em harmonia a relação conflituosa entre capital e trabalho.

            Como vemos, não se trata de como devemos chamar o PT, ou como seus integrantes gostariam de ser chamados, mas qual papel político tal agremiação acaba por desempenhar na correlação de forças da atual dinâmica da luta de classes no Brasil. Avaliando por este ângulo, a luta interna ao PT, entre setores de direita que hoje são hegemônicos e os resultados da escolha de delegados para o Congresso confirma tal hegemonia, e os setores de esquerda que ainda resistem, é uma síntese ao centro. Um centro, infelizmente, moderado e pequeno burguês.

            Quando passamos para a correlação de forças no governo o massacre é ainda pior. Como o próprio Valter afirma, no “governo de coalizão” a parte do PT que se faz presente é a direita partidária, que se alia a setores claramente de direita (na base de sustentação parlamentar e na própria composição de governo) levando a um resultado conhecido por todos: os grandes interesses históricos e imediatos a serem garantidos, são os do grande capital monopolista.

            O fundamental para solucionar este dilema, torna-se, portanto, responder a seguinte pergunta: a estratégia em curso fortalece a esquerda contra a direita? Caso a resposta seja afirmativa, Valter tem razão e a mediação possível seria apoiar o governo Lula. Infelizmente, estou convencido que não. A atual estratégia deixou de ter um horizonte ainda que vagamente socialista, e foi substituída por uma estratégia de governo que privilegia o controle da máquina e de espaços institucionais que tem por objetivo máximo a manutenção destes mesmos espaços, ainda que o preço seja ao final garantir os interesses do grande capital contra os trabalhadores.

            O fracasso do que poderia ser um governo de centro esquerda, mas não foi, só pode fortalecer a direita. O resultado prático do aparente sucesso do governo Lula (sua vitória para um segundo mandato, sua popularidade, etc) não abre caminho para governos mais à esquerda, mas limita o debate político entre alternativas conservadoras, expulsando do debate alternativas reais de esquerda, urgentes e inadiáveis para o Brasil, engolidas pelo pragmatismo reinante da política do “possível”.

            A verdadeira pergunta então seria: até quando é possível ser de esquerda em um partido de centro, que apóia um governo de centro direita que executa um programa de direita?

            A mediação real pode estar em outra parte. Como organizar a classe trabalhadora para que ela volte a cena política com autonomia e na defesa de seu próprio projeto histórico e não apenas como base amorfa e inercial de apoio a um projeto que não é o seu?

Um abraço

Mauro Iasi

Nenhum comentário:

Postar um comentário