Faz sentido um partido político socialista?
A questão das classes sociais e da consciência de classes
Roberto Robaina*
O marxismo é um movimento social, político e uma concepção do mundo. Durante muitos anos foi perseguido nas universidades. Nos anos 60 ganhou peso acadêmico em países como a França e retomou novamente alguma influencia na Alemanha, a mesma que tinha visto a emigração para os EUA da última leva de professores marxistas durante a ascensão do nazismo. Com o recuo das lutas sociais dos anos 70, e, sobretudo, depois da queda do muro de Berlim, isto é, o anúncio do colapso do socialismo real, o marxismo passou a ser considerado como totalmente fora do jogo universitário. Este evidentemente é também o quadro do Brasil, onde hoje a defesa do marxismo nas universidades não passa de um movimento de resistência, sendo a base teórica de poucos professores e restrito a poucos cursos. Muitos, aliás, argumentam que Marx é um autor antigo, ultrapassado pelos novos tempos. Não poucos deles, na área da filosofia política, vão beber em autores anteriores a Marx, em Kant, em Hume, em Hobbes...
Agora, a partir da nova crise do capital, a obra de Marx começa novamente a ser lembrada. Mas como sempre Marx é mais comentada do que lido. Neste trabalho apenas resgato um aspecto de seu texto: sua análise da consciência de classes. Quando me refiro à consciência a entendo como um fenômeno biológico, uma faceta especial, uma característica qualitativa especial das funções cerebrais, tal como definia Vigotski, ou, na mesma linha, desta vez seguindo Jonh Searle, como os estados de “conhecimento ou percepção que começam quando acordamos de manhã depois de um sono sem sonhos e continuam durante o dia até que adormeçamos novamente” (página 45 – Mente, Linguagem e Sociedade, Rocco, 2000 – Rio de Janeiro).
Marx marcou uma definição: as ideias dominantes de dada sociedade são da classe que controla o excedente econômico desta sociedade. O marxismo definiu que os pensamentos das classes dominantes são também, “em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual” (Ideologia Alemã, página 55, Editorial Presença).
O capital, isto é, o trabalho acumulado e apropriado privadamente era, então, segundo Marx, a base do poder dos capitalistas. A partir desta base criaram as leis, as instituições repressivas e ideológicas, crenças, moral, enfim, toda uma complexa superestrutura subjetiva e objetiva, ideológica, política, jurídica, militar, desenvolvida a partir da produção material dominada pelos grupos que controlavam o excedente econômico, com o objetivo principal de manter e reproduzir esta dominação. Ao mesmo tempo, pelas características do modo de produção capitalista, um modo de produção de mercadoria generalizado, pelas leis do seu funcionamento, esta dominação se reforça precisamente porque a exploração da força de trabalho fica oculta, isto é, o mais valor que os trabalhadores produzem em relação ao valor de sua força de trabalho está ocultado e é desconhecido pelos próprios trabalhadores que aceitam naturalmente o regime salarial como o único possível e eterno.
A consciência burguesa também se reproduz, todos os dias, defendida por instituições burguesas e/ou a serviço da burguesia, seja a mídia, a escola, a Igreja, os tribunais, e pela superestrutura burocrática do movimento operário, os partidos reformistas e sindicatos por ela controlados. Ou seja, a falsa consciência de que a sociedade é como é e não mudará, de que o sucesso ou fracasso de cada um depende de seus esforços no trabalho, e de que a produtividade do trabalho e o progresso material da sociedade estão determinados pelo espírito de iniciativa garantido pela propriedade privada dos meios de produção e de troca e pela intervenção das empresas na economia, enfim, esta consciência burguesa se reproduz com a ação cotidiana dos aparatos contrários a ideia da revolução. Tal falsa consciência, portanto, se objetiva em superestruturas e instituições.
É lógico que Marx não se deteve na análise dos processos de reprodução e defesa da ideologia dominante. Seu trabalho foi mais centrado na elucidação da estrutura econômica da sociedade. E dispensável dizer que Marx não pretendeu nem de longe esgotar a discussão sobre a alienação e a consciência de classes, embora a parte do capital sobre o fetichismo da mercadoria é insuperável como base deste debate. Mas apenas indico esta leitura.
É claro igualmente que a alienação e o domínio ideológicos assumiram determinações mais complexas. O desenvolvimento do capital desenvolveu também formas sofisticadas de dominação cultural. No plano da reprodução ideológica da formação de produção capitalista é preciso que se diga, seguindo as lições de Debord, que o excedente sob a forma de capital, quando atinge alto grau de acumulação, como nos nossos dias, se transforma em imagem, em espetáculo. Nas palavras de Debord. “O espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da alienação” (Página 24, Editora Contraponto, 2003, Ro de Janeiro). Numa vida social dominada pela mercadoria esta fabricação é desenvolvida ao máximo pela grande mídia e pela força da Televisão, quando as classes dominantes tentam impor que exista apenas aquilo que aparece e tentam fazer aparecer apenas aquilo que querem que exista. Marx não podia nem imaginar tal situação.
Tal tendência foi reforçada no atual período de domínio cultural do pós-modernismo em seus traços mais conservadores. Na leitura das características da consciência no período pós-moderno Harvey (56 – Condição Pós-Moderna) dá sinal verde a uma caracterização segundo o qual há fortes marcas de esquizofrenia na consciência social. Cita Lacan, para o qual na esquizofrenia temos “um agregado de significados distintos e não relacionados entre si”. Perde-se a capacidade de unificar passado, presente e futuro.
Assim a consciência se fragmenta, num mosaico de idéias, impressões, sentimentos, percepções, enquanto o presente, como antes mencionamos, se eterniza, sem balanços do passado e sem projetos coletivos de sociedade como vimos no período modernista, seja no modernismo conservador, fascista, no burguês progressista do iluminismo ou no modernismo socialista. Desta forma, “o caráter imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada” (página 57 – idem – Harvey)
Se tudo isso é certo, então, como se desenvolve a consciência de classe das classes oprimidas? Concretamente, como os trabalhadores explorados adquirem consciência de seus interesses próprios?
Vejamos mais de perto como Marx analisa a evolução desta consciência. Na sua obra está posto claramente a importância da experiência das lutas na formação da consciência de classes. No princípio era a ação, disse Goethe. Marx se refere as fases desta luta. Como se expressam estas fases? O livro a “A miséria da Filosofia” antecipa o “Manifesto Comunista”.
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