Julio Hernández |
No final do século XX, os líderes mundiais da época aceitaram incluir entre as Metas do Milênio o objetivo de reduzir à metade a fome e a desnutrição no mundo para o ano 2015. Seria talvez um objetivo demasiado ambicioso? Em lugar de atingir-se esta meta, a cifra de desnutridos no planeta ascende hoje a ao redor de um bilhão de seres humanos, e registram-se fomes como a que sofrem atualmente uns 12 milhões de pessoas no Chifre da África. A crise alimentar no sul da Somália, que colocou o tema nas primeiras páginas da atualidade, não é mais do que o agravamento cíclico de uma tragédia que afeta de maneira permanente os países do Sahel, ao resto da Africa subsaariana e a grande parte da Ásia. Segundo calcula a Organização de Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), há 239 milhões de famintos e desnutridos na Africa subsaariana, 578 milhões na Ásia e na Oceania, 53 milhões na América Latina e no Caribe e 37 milhões no norte da África. Vários milhões estão localizados em diversos lugares, incluídos os países desenvolvidos da América do Norte, da Europa e do continente asiático. A estatística abarca qualquer pessoa que não possa consumir 1.800 calorias diárias, considerada a quantidade mínima que deve receber um ser humano para poder subsistir. Inclusive nos Estados Unidos, cinco milhões de adultos idosos sofrem insegurança alimentar, 2,5 milhões correm o risco de passar fome e outros 750 mil de fato padecem de fome devido à repartição desigual da riqueza, até em uma sociedade industrializada. Em geral, as cifras globais de desnutrição são estimadas com base na ingestão diária de calorias, calculada de acordo com a produção agrícola do país analisado mais as importações de alimentos desde o estrangeiro. Os dados, por tanto, não são exatos, e menos ainda se nesta análise não se incluem, como é o caso, a ingestão de proteínas, vitaminas e minerais, fundamentais para o desenvolvimento normal de um ser humano. O organismo especializado das Nações Unidas tem lançado uma séria advertência sobre a situação atual, já que o número de desnutridos é agora superior ao de 1990 em 80 milhões. O mais paradoxal de tudo isso é que a atual produção mundial de alimentos cobriria facilmente as necessidades calóricas de todo o planeta, bastando para isso que a distribuição dos recursos fosse mais equitativa, segundo os especialistas. E mais: caso se investisse no desenvolvimento da agricultura em todas as zonas exploráveis, combatendo a desertificação, a erosão e a acidez dos solos, a Terra poderia alimentar uma população mundial de 12 bilhões de indivíduos, assegura a FAO. Ainda que sejam várias as razões para que a fome golpeie milhões de pessoas de forma permanente, sobretudo crianças, mulheres e idosos dos países subdesenvolvidos, sem dúvidas se pode afirmar que o que falta a uns, sobra a outros. Já em 2009, um documento da FAO previra que a situação pioraria cada vez mais no Terceiro Mundo em consequência da mudança climática e do aquecimento global. O principal impacto para o ano 2050, quando o planeta terá que alimentar ao redor de nove milhões de seres, se fará sentir sobretudo nas regiões mais pobres, com um declive na produtividade agrícola entre 9 e 21%. A análise prognostica que a mudança climática suporá em curto prazo o incremento de eventos extremos, tais como secas, ondas de calor, inundações e tormentas severas. Isso teria como consequência temperaturas mais altas, elevadas concentrações de dióxido de carbono, ervas daninhas, pragas e doenças das plantas. Tudo isso proliferaria pelas transformações no clima. Os preços dos alimentos básicos, que subiram vertiginosamente nos últimos anos, também serão empurrados à alta pela mudança climática. Após meados deste século, com um incremento ainda maior das temperaturas devido aos gases de efeito estufa, decrescerá a produção agrícola nos países subdesenvolvidos e os preços se incrementarão ainda mais. O impacto mais negativo desta situação espera-se que repercuta com maior força em países tão golpeados pela seca e as fomes como são Somália, Etiópia, Djibouti, Eritreia, Quênia e outros da África subsaariana. Até agora, decênios de crise alimentares, reuniões de cúpula e ministeriais, estudos e gritos de alarme não têm servido para reverter esta tragédia e nem sequer um vislumbre de melhoria se pode esperar. Julio Hernández é jornalista de Serviços Especiais da Prensa Latina http://socialismo.org.br/portal/internacional/38-artigo/2188-os-caminhos-da-fome |
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