Escrito por Gabriel Brito, da Redação |
Qua, 08 de Junho de 2011 15:50 |
Apresentando-se ao público como defensora da liberdade de imprensa, qualidade da informação e ética jornalística, a grande mídia brasileira talvez não resista a uma simples radiografia de si mesma. Neste primeiro semestre, o balanço a ser feito sobre as redações brasileiras é dos mais lastimáveis, tendo sido abaladas por uma verdadeira varredura. A onda é nacional, mas o principal centro econômico (e midiático) do país chama a atenção. Só em São Paulo foram 238 demissões registradas até março, número que certamente já se elevou. Outras cabeças continuaram a ser cortadas, conforme o noticiário dos bastidores do ramo vem mostrando. Saltou aos olhos o caso do Meia Hora-SP, periódico dito “popular” do grupo Ejesa, que recém aportou no Brasil com grandes investimentos, sendo dono também do Brasil Econômico. Alegando necessidade de corte de custos (cada vez mais useiro e vezeiro), demitiu sumariamente toda a redação, sem qualquer aviso prévio, quando todos se achavam ali presentes para o que parecia apenas mais um dia de trabalho. Apesar da enorme concentração na Paulicéia, a mesma tendência se verifica nacionalmente, inclusive com escândalos pontuais, como se viu na greve da retransmissora da Globo em Sergipe e na demissão de um editor do Diário do Nordeste, da Bahia, por fazer uma matéria sobre o livro “Revoluções”, do marxista Michel Lowy. É provável que ao fim do primeiro semestre as vagas cortadas batam em 400. Além do momento tempestuoso para os trabalhadores da comunicação, outro fator envolvido na questão é a cada vez maior incapacidade de reação da categoria diante de tantos ataques. Pode-se dizer que tal surto não começou da noite para o dia e vem no bojo de uma série de derrotas sofridas nos últimos tempos. Como não poderia deixar de ser na imprensa comercial, os ditames neoliberais invadiram completamente as redações dos jornais que os propagandeiam, significando o enfraquecimento da classe e o fortalecimento do patronato em várias frentes, tal como testemunhamos em todos os ramos da economia brasileira. Além da abertura ao capital estrangeiro nas empresas de mídia, outros dois fatos marcaram o enfraquecimento da classe jornalística: a supressão da antiga lei de imprensa, que apesar de antiquada deixou vazio jurídico, e a queda da exigência de diploma jornalístico para atuar na área, regra que jamais vigorou de fato, e que por sua vez deveria ser substituída por uma regulamentação geral da profissão de jornalista. Tais debates são solenemente ignorados pelos barões da mídia, os quais, em tempos de discussão sobre regulação da imprensa, contra-atacam aprovando em convescotes próprios a idéia da auto-regulação. Obviamente, os monopólios midiáticos do país cerraram fileiras exatamente por tais decisões do Supremo, argumentando que no primeiro caso estaríamos livres de um “entulho da ditadura” (aquela que apoiaram) e que os direitos das pessoas eventualmente feridas por suas matérias já dispunham da Constituição Federal para serem preservados. Ignoram, claro, as dificuldades jurídico-processuais de um assunto não abordado direta e especificamente pela Constituição que tanto descumprem. Já no segundo caso, o argumento foi meramente mercadista, como sempre, pois o fim do diploma abriria o mercado e facilitaria contratações – “esquecem” de mencionar também o aumento da exploração, arrocho salarial e incremento da ideologia ultraconservadora e ‘liberal’ nas redações, pela imposição do medo e autocensura. Dessa forma, a ausência de respostas a tal bombardeio é aterradora. Mas articulações para combatê-lo começam a buscar novo fôlego. Foi com esse intuito que a chapa opositora do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, denominada “Sindicato é pra lutar”, promoveu debate na última terça-feira (31) sobre as demissões nos meios de comunicação paulistas, abordando também algumas tendências que têm afetado a profissão. “A categoria precisa ficar atenta pra algo que nunca foi muito falado nas discussões internas: os jornais brasileiros, seus donos, também entraram na economia financeirizada. Não apenas recebendo dinheiro de quem atua no mercado financeiro, mas também com seus próprios investimentos nesse mercado. E como é uma jogatina, um perde-ganha diário, essa velocidade de produção e resultados também alcançou as redações”, afirmou Jorge Felix, o primeiro jornalista a tomar a palavra. Mediado pela jornalista Lucia Rodrigues, da Caros Amigos, o debate dedicou bastante foco à precarização da profissão, cada vez mais visível. E de modo sofisticado, pois se dá através de diversos mecanismos, alguns vendidos até como inovadores. Aliada a isso, está a pejotização (que transforma o profissional em Pessoa Jurídica na relação com o empregador), que de acordo com os debatedores continua a enganar a categoria acerca de seus benefícios. “A maioria acha ótimo, porque vai ganhar mais. Mas isso é uma visão individualista, pois o colega pode ganhar menos sem motivo aparente, além de ser uma relação de trabalho que barateia diversos custos ao empregador e não garante salvaguardas futuras, como uma aposentadoria segura”, disse Marilu Cabañas, uma das vítimas do choque que abalou a Rádio e TV Cultura com 150 demissões no início do ano. Com o desenrolar do debate, não ficou difícil tecer conexões com o desmantelamento das principais categorias sindicais no Brasil, consagrado nos anos Lula, com a cooptação e “docilização” (como ressaltado por Felix) das principais centrais sindicais. O fenômeno dentro do jornalismo foi praticamente idêntico, devastando os tradicionais laços de solidariedade, companheirismo e consciência de classe que sempre marcaram a categoria. Um exemplo da situação de submissão total foi dado por Felix. “Os jornalistas ficaram individualistas, ganham o seu e reproduzem cada vez mais o pensamento do dono do jornal. Às vezes não é nem por vontade própria, e sim por assimilar completamente seus valores. Uma vez mandei uma estagiária minha fazer uma matéria de economia. Depois de publicada, liguei pra ela em sua folga e perguntei: ‘Por que você só falou com uma pessoa?’. Ela respondeu: ‘não, falei com quatro!’. ‘Sim, mas todos falaram a mesma coisa. Deu no mesmo que falar com um’, retruquei”. Na tradicional e respeitada Cultura, uma emissora pública, a situação não é mais animadora, como relatou Marilu, que trabalhou na rádio por 16 anos. “Tinha governo que era difícil, que pensava que era dono da emissora. Tinha matéria que eu fazia e depois só ficava esperando o telefone tocar, com algum secretário de Estado fazendo pressão”. Quanto à consciência de classe, nenhuma diferença em relação à imprensa comercial. “Só por ter o mínimo de crítica, quem me conhecia me chamava, brincando, de comunista etc. Mas nunca tomei muita frente em reivindicações de classe, nunca fui representante de nada, e mesmo assim fui eleita por quase todos pra ir lá discutir a nossa pauta quando o João Sayad entrou na emissora”, prosseguiu, para espanto de boa parte dos presentes. Como se pode presumir, o desfecho das “negociações” foi desalentador, culminando na escandalosa demissão em massa dos profissionais da casa. “Quando falei com ele, disse que o pessoal tinha uma lista de coisas a dizer, que mudanças e melhorias eram necessárias e o Sayad sempre concordava, sempre balançava a cabeça positivamente, falando ‘vamos resolver, vamos resolver’”, contou. Resolveu. Cortando gastos e pessoal. “E essa é uma tendência geral. No Diário de São Paulo, onde trabalhei por 20 anos, as reformulações, cortes, como queiram, eram cada vez mais freqüentes. Onde ficavam dois, três fotógrafos, agora tem um”, falou Wladimir Aguiar, o terceiro debatedor da mesa. “As editorias também tinham mais gente na responsabilidade, e agora ficam na mão de gente nova, inexperiente. Você vai ver, o subeditor tem um ano de carreira. O editor tem dois...”, completou. Tal colocação veio acompanhada de distintas observações a respeito do uso atual do estágio. “Hoje em dia o estágio não é mais para melhorar a formação do futuro profissional, mas sim para substituir outros mais preparados, que têm um custo mais alto também. E esse estagiário trabalha 8 horas, faz uma jornada normal”, disse Luka Franca, blogueira e militante feminista, no que foi endossada por todos os jornalistas presentes. Dessa forma, não é difícil compreender a queda da qualidade literária dos jornais brasileiros nos últimos tempos. Para o observador atento, é possível até notar a maior quantidade de erros gramaticais nos diários. “Depois que o J. Hawilla (ex-jornalista e atual empresário do marketing esportivo) comprou o Diário de São Paulo, já veio com o pé no peito da redação. Enxugou tudo, mudamos de prédio, a redação foi reduzida de dois andares pra um e, claro, teve uma limpa. Depois disso, não à toa, o jornal é um ‘pastelzão’, com notícias escritas de forma rasa e apressada”, exemplificou Felix. Diante de tudo que foi debatido, reforçou-se a necessidade de promover mudanças profundas na atual direção do sindicato, atualmente ligado à CUT e com fortes laços com o petismo. Talvez esteja aí uma das explicações para a anestesia geral sofrida pela categoria dos jornalistas, cada vez mais precarizados e descartáveis. O jornalismo brasileiro, ao menos da mídia tradicional, agoniza, crescentemente reduzido à assessoria de imprensa patronal. Gabriel Brito é jornalista. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5914:manchete080611&catid=34:manchete |
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Demissões nas redações marcam crescente submissão e precarização no jornalismo
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