Escrito por Paulo Passarinho |
Seg, 06 de Junho de 2011 15:08 |
A vaga deixada em aberto pela renúncia de Dominique Strauss-Khan do cargo de diretor-gerente do FMI abriu uma aparente disputa entre diferentes pretendentes ao cargo. Nesta semana, estiveram aqui no Brasil dois postulantes: a ministra de Finanças da França, Christine Lagarde, e o mexicano, presidente do Banco Central do seu país, Agustin Carstens. Essas movimentações reforçam dois aspectos que devem ser mais bem entendidos, fora do contexto da manipulação política e midiática, que em muito dificulta uma real compreensão do que, de fato, hoje se passa no cenário das relações de disputa entre diferentes Estados nacionais. Quais são esses dois aspectos aos quais me refiro, que estariam embaralhados e dificultando uma avaliação daquilo que realmente se encontra em disputa? Primeiramente, a real situação do FMI, após a saída de DSK e a necessidade de se encontrar um substituto para seu ex-cargo. Na verdade, se há alguma disputa - o nome não seria adequado -, ela vai se restringir às tratativas da França e da Alemanha com os Estados Unidos, na definição do novo nome para o comando do Fundo. A China é o único país que poderá aproveitar o momento e aumentar o seu poder político em postos de comando da instituição. Sempre de acordo com o seu "perfil baixo" de movimentações na diplomacia internacional, o governo de Pequim já manifestou o seu interesse em, no máximo, estar disposto a indicar um nome para assumir o segundo cargo na hierarquia do FMI, que é o de economista-chefe do órgão. Claramente, não reivindica nada mais, e sabe, também, que uma eventual vitória neste seu objetivo dependeria de negociações com os europeus e, particularmente, com os EUA. A razão desses fatos se relaciona com a estrutura de poder do Fundo. As decisões da instituição se baseiam no poder de voto dos países. E esse poder de voto se relaciona à participação de cada país, em termos de cotas, no capital total do Fundo. O número de votos pertinentes aos americanos e europeus, somados a aliados estratégicos como o Japão e a Arábia Saudita, lhes garantem o comando da instituição, na medida em que eles detêm, juntos, mais da metade do total de votos. Qualquer novidade, diríamos assim, em termos de mudanças na estrutura de comando do FMI somente seria possível, hoje, a partir de negociações e da vontade dos países-acionistas principais. A segunda questão, objeto de muita manipulação e engano, relaciona-se ao que se denomina de "poder dos países emergentes". Trata-se de uma abstração que precisa ser desmistificada, definida melhor. Em outubro do ano passado, o FMI aprovou uma mudança na estrutura de cotas dos países-membros. A idéia foi reforçar o caixa do Fundo, com um aumento no aporte de capital dos países em desenvolvimento. A emergência da crise global financeira fez com que o FMI voltasse a aparecer como uma tábua de salvação de bancos credores de países que entravam em crise, especialmente na Europa Oriental e em países como a Grécia, a Irlanda e Portugal. A crise global, nesse sentido, foi funcional para o FMI, na medida em que os fracassos acumulados pela instituição nos anos 1990, especialmente aqui na América Latina, haviam colocado o órgão em uma espécie de limbo. Contudo, estando os países mais ricos – tendo os EUA à frente – com sérios problemas para enfrentar, dentro de suas próprias economias domésticas, os tais países emergentes foram convocados a aumentar as suas respectivas cotas no FMI, buscando aumentar o poder de empréstimo da instituição. Porém, a situação dos ditos países emergentes é muito diferenciada, em termos de poder de fogo e nas suas objetivas condições macroeconômicas. A China, por exemplo, ao aumentar a sua cota de participação no FMI, aplicando pequena parte de suas gigantescas reservas na instituição, tem hoje apenas mais um trunfo para futuras negociações no contexto da própria instituição. Para os chineses, sob o ponto de vista financeiro, é um jogo praticamente de soma zero, pois tanto a sua taxa média de captação quanto os rendimentos que os empréstimos do Fundo lhe rendem são muito baixos. O Brasil, por sua vez, acumulando reservas internacionais com base nas taxas de juros mais elevadas do mundo, onde o Tesouro Nacional paga hoje 13% de juros ao ano, mesmo se descontarmos o que retorna ao seu caixa na forma de tributos, ao aplicar parte de seus recursos no FMI apenas faz um péssimo negócio. Entretanto, o governo brasileiro – tanto o de Dilma quanto, principalmente, o de Lula – procura manipular simbolicamente, a seu favor, esse tipo de operação e, com o apoio da mídia dominante – nacional e internacional –, tenta projetar uma falsa imagem de liderança e poder global do Brasil. Em torno da questão do FMI e do pagamento da dívida do país com esse órgão, durante o governo de Lula, exemplos de manipulação foram abundantes. Aproveitou-se o desconhecimento e aridez do tema e muitas versões do episódio procuraram difundir a idéia – absolutamente falsa – de que "o Brasil pagou a dívida externa". Há muita gente que jura que o Lula conseguiu essa proeza. Ao contrário, podemos afirmar que nunca, na história desse país, o Brasil teve uma dívida externa tão elevada. De fato, a dívida externa total do Brasil – dívida externa pública (da União, de estados e municípios), dívida externa de empresas e dívida entre as filiais de empresas sediadas no país com as suas matrizes, no exterior – ultrapassa hoje o montante de US$ 300 bilhões. Mesmo em relação ao FMI, o governo Lula fez um péssimo negócio. Na prática, pagamos uma dívida financeira relativamente barata (juros de 5% a 7% ao ano) para continuar nos endividando a taxas de 13%. Além disso, o grande problema do FMI é o seu receituário de política econômica, que, aqui no Brasil, continuou dando as cartas: câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação para justificar altíssimas taxas de juros, para a alegria de especuladores daqui e do mundo afora. Por fim, em meio a toda essa badalação sobre o sucesso brasileiro atual, de fato presente na mídia dominante (que, quando lhes interessa, os lulistas acusam de golpista), eu apenas lembro que, nos anos 1990, o México, a Argentina ou mais recentemente a Espanha sempre foram cobertos de elogios pela boa condução de suas economias. Todos esses aparentes sucessos foram, um a um, sendo desmascarados. Contrariamente, países que nunca receberam a simpatia da comunidade financeira internacional, como são os casos da China e da Índia, despontam nesse século XXI como verdadeiras potências emergentes. A grande diferença é que esses dois países apostaram, com clareza estratégica, na construção de projetos nacionais soberanos, sem maiores concessões às pressões internacionais. Para o Brasil de hoje, a verdade - e a tristeza - é que nós nunca estivemos tão distantes de um projeto nacional soberano. Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5903:meioambiente040611&catid=32:meio-ambiente&Itemid=68 |
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Brasil credor do FMI é idéia falsa, apregoada pelo governo e difundida pela mídia
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