terça-feira, 22 de março de 2011

VENENO? DE NOVO?!

 22/03/2011
Controle de Agrotóxicos: com a palavra o médico governador!
Por Raul Marcelo e Marco Antônio de Moraes
No dia 1º de março deste ano, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo acatou a proposta de controle e fiscalização de agrotóxicos no território paulista, por meio da aprovação do Projeto de Lei nº 281/2010, de nossa autoria. A proposta visa uma efetiva participação estatal no controle e fiscalização destas substâncias, criando e expandindo atribuições para as Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente, uma vez que hoje, apenas a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, precariamente, apresenta atividades rotineiras de fiscalização ao comércio e ao uso destes produtos nas lavouras.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Se considerarmos apenas os agrotóxicos de uso na agricultura, cerca de 20 % deste total é aplicado nas lavouras de São Paulo. Porém, se contabilizados os pesticidas utilizados em áreas urbanas e industriais, como desinfestantes e domissanitários; na manutenção de ferrovias, rodovias e pátios; na saúde pública, para o controle de vetores de doenças, como a dengue, o volume de agrotóxicos consumidos no Estado, certamente, extrapola, em muito, este porcentual.
Os agrotóxicos são responsáveis por desequilíbrios ambientais de extrema relevância e associados a monoculturas trazem efeitos dramáticos para a biodiversidade. Um dos exemplos é o desaparecimento de abelhas, com grave impacto para biomas inteiros pela falta de polinização de espécies vegetais silvestres. Até mesmo a produção de alimentos fica sob ameaça, pois se estima que um terço das culturas agrícolas dependa da polinização por abelhas. Na região de Araraquara, são recentes as constatações de mortandade de colônias de abelhas provocadas pelo uso indiscriminado de agrotóxicos visando o controle do inseto vetor do Greening, doença bacteriana que atinge a citricultura paulista. A preocupação é global, países europeus proíbem determinados inseticidas em função dos comprovados danos à população de abelhas.
Por outro lado, no mundo todo, inúmeras pesquisas científicas associam os agrotóxicos ao desenvolvimento de enfermidades severas, como cânceres, distúrbios hormonais e doenças neurodegenerativas, como o “Mal de Parkinson”. São também várias as constatações que revelam maior incidência de suicídios entre as populações de trabalhadores rurais expostos aos inseticidas organofosforados, entre os quais metamidofós, paration metílico e clorpirifós, vergonhosamente, ainda em voga no Brasil, embora com uso proibido ou fortemente restringido em diversos países, como EUA, Comunidade Européia, China, Índia, Nicaraguá, etc.
Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA venha tomando importantes iniciativas para reavaliação de diversos princípios ativos de maior risco toxicológico, a efetivação de suas recomendações para restrições ou banimentos são sujeitas, por força de interesses mercantis, a um gradualismo indevido, como é o caso do banimento dos agrotóxicos à base de metamidofós e de endossulfam, com proibição definitiva postergada para 2013. No mundo todo, são substâncias fartamente reconhecidas como de extrema periculosidade. Cabe frisar que o endossulfam já está proibido em mais de 40 países, incluídos Sri Lanka, Mauritânia, Senegal, Burkina Faso e Cabo Verde por reconhecidos problemas como aumento do risco de problemas congênitos, imunodepressão e distúrbios hormonais.
Especialistas chegam a estipular que ocorram, anualmente, mais de 540.000 intoxicações por agrotóxicos no Brasil, com cerca de 4.000 mortes, revelando a elevada letalidade dessas substâncias. São mais atingidos os trabalhadores rurais, em contato direto com essas substâncias, mas toda a população, em maior ou menor grau, esta sujeita aos riscos dos pesticidas, seja pela exposição por meio do consumo de alimentos e de água contaminados ou em função do crescente uso em ambiente urbano.
Uma visão reducionista, predominante há mais de 50 anos e de conveniência às empresas que lucram com os agrotóxicos, imputa todos os males relacionados ao tema ao inadequado uso pelos agricultores, decorrente de um suposto problema cultural que atinge a população do campo brasileiro. Desta forma, tira-se o foco da periculosidade toxicológica e ambiental intrínseca aos agrotóxicos.
Ainda que fundamentais, as ações de fiscalização no campo não apresentam capacidade de onipresença, incidindo sobre parcela muito reduzida das aplicações de veneno no ambiente rural, sobretudo se considerarmos a precária situação estrutural dos órgãos fiscalizadores. Dessa forma, torna-se essencial o papel do registro dos agrotóxicos, - que autorizam a sua produção, comercialização e uso no território nacional -, como instrumento normativo de controle, com poder de imposição de banimento e restrições.
No uso da competência legislativa concorrente prevista na Constituição Federal de 1988 e evidenciada na “Lei dos Agrotóxicos” (Lei Federal 7.802/1989), o projeto de lei nº 281/2010 inova ao trazer para a esfera estadual, um cadastro com maior possibilidade de rigor e imposição de restrições ante o registro pelos órgãos federais.  Hoje, o cadastro de agrotóxicos no Estado é feito de forma meramente cartorial e burocrática pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, sem qualquer parecer técnico dos órgãos estaduais de meio ambiente e saúde.  Em caso da sanção do projeto aprovado pela ALESP, o Estado passa a ter condição legal de se antecipar aos órgãos federais nas restrições e banimentos, como a dos inseticidas a base de metamidofós, paration metílico e endossulfam, bem como dos herbicidas a base de paraquat, entre outros, fundamentado em impugnação de cadastro dos agrotóxicos que outros países proíbam, motivadamente, o seu uso.
O projeto também prevê a renovação quinquenal do cadastro, permitindo, periodicamente, a reavaliação automática dos agrotóxicos; institui taxas direcionadas ao custeio do aprimoramento da fiscalização, à criação de sistema de monitoramento de intoxicações e contaminações ambientais e a fomentação de técnicas agroecológicas, substitutivas ao uso dos agrotóxicos; e especifica como irregularidades, um rol de condutas que potencializam os riscos dos pesticidas.
Os agrotóxicos se configuram como um dos maiores agentes de risco à saúde humana da contemporaneidade. Com a palavra o médico governador, Geraldo Alckmin, a quem cabe a sanção do projeto aprovado, para demonstrar sua sensibilidade com a saúde pública.
Raul Marcelo de Souza é ex-deputado estadual e autor do PL 281/2010. Marco Antônio de Moraes é engenheiro agrônomo.

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