"Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer. Ninguém saiu às ruas. Não houve revolta. Até que...começou! Em Wisconsin!" -- Michael Moore
As revoltas populares face ao neoliberalismo: do Egipto ao Wisconsin, EUA
Vicenç Navarro
Este artigo analisa as mobilizações populares que estão a estender-se (do Egipto a Wisconsin, EUA) como protesto perante as políticas neoliberais levadas a cabo pelos seus governos. O artigo assinala que a interpretação dominante que tenta explicar tais mobilizações como resultado de movimentos juvenis como a Internet é profundamente limitada, quando não errónea.
Uma das causas das mobilizações no mundo árabe foi a aplicação, por parte das elites dirigentes, de políticas neoliberais que afectaram negativamente as classes populares. Estas mobilizações já tinham sido iniciadas meses e anos antes, resultado das medidas de austeridade (que incluíram redução de programas de protecção social e diminuição de salários, eliminação de subsídios aos alimentos e desregulamentação dos preços de produtos básicos), que criaram um grande mal-estar e que foram as causas de que nestes países (na Tunísia primeiro e no Egipto depois) fosse a classe trabalhadora, juntamente com sectores das classes médias, quem protagonizou tais mobilizações. Estas mobilizações de protesto face ao neoliberalismo imperante estão a ocorrer não só em países árabes, mas também em muitos outros países, incluindo os EUA.
O último caso destes protestos operários ocorreu no estado de Wisconsin, EUA. O novo governador de tal estado, o republicano Scott Walker (da corrente Tea Party) tentou aprovar uma lei no parlamento do estado que reduziria o salário dos funcionários públicos em 7%, diminuindo também as suas pensões, e obstaculizando, além do mais, a sindicalização dos trabalhadores no sector público. Tal como apontou a Federação dos Sindicatos Estado-unidenses (AFL-CIO) esta lei – a ser aprovada – seria um ataque frontal aos sindicatos daquele país. A justificação que o governador Scott Walker deu para tomar tais medidas foi que o orçamento do estado tinha 137 milhões de dólares de défice.
A resposta dos sindicatos no Wisconsin foi imediata. Em poucos dias, Madison, a cidade mais importante daquele estado, viu a maior manifestação que já existiu naquela cidade. Os sindicatos manifestaram-se em frente ao Parlamento (e em frente ao domicílio particular do governador Walker), exigindo a retirada da proposta de lei. O que é interessante é que os manifestantes não eram só sindicalistas, mas também utentes dos serviços públicos conscientes de que estes cortes iam afectar a qualidade dos seus serviços. Muito notória foi a quantidade de crianças e seus pais que acompanharam os professores no seu protesto, facto salientado pelos meios de comunicação. As sondagens mostravam também que a maioria da cidadania do Wisconsin se opunha às propostas do governador Walker e apoiava as mobilizações contra elas. Entre os que apoiam tais mobilizações, aderindo a elas, estavam, por certo, os polícias e bombeiros que o governador Walker excluía das suas medidas de cortes salariais, concedendo-lhes um tratamento favorável. Os polícias e bombeiros expressaram, no entanto, a sua solidariedade com os outros funcionários públicos saindo à rua com eles. Estes factos estão a ser seguidos por todos os EUA.
As direitas, lideradas pelo Tea Party, estão a desejar que o governador Walker possa levar a cabo tais medidas, logo que tenham sido aprovadas pelo Parlamento do Estado de Wisconsin, onde o Partido Republicano tem maioria. Embora o argumento que é utilizado para defender estas medidas seja a necessidade de cobrir o défice do Estado de Wisconsin, o motivo real para que se esteja a pressionar, por parte do Partido Republicano, para que tais medidas sejam aprovadas no parlamento de Wisconsin é um motivo político: o de debilitar os sindicatos, os maiores adversários que o Partido Republicano, que considera a AFL-CIO como um dos maiores pilares do Partido Democrata, tem.
Na verdade, o défice do orçamento do Estado poderia resolver-se facilmente aumentando os impostos sobre a propriedade (entre outros), que o parlamento de Wisconsin, controlado pelos republicanos, tinha reduzido consideravelmente durante os anos de bonança económica. Como sempre ocorre, o discurso económico oculta, na realidade, os argumentos políticos. O establishment económico e financeiro do estado de Wisconsin, que beneficiou enormemente das políticas neoliberais de redução de impostos aos rendimentos superiores, resiste a que sejam reduzidos os seus enormes rendimentos (1% da população estado-unidense que tinha 7% do rendimento de todo o país em 1997, no princípio da "revolução neoliberal", passou a ter 20% de tal rendimento) através do aumento destes impostos. Daí que prefiram resolver o problema do déficit do estado de Wisconsin com base na redução dos serviços públicos às classes populares em vez de subirem os seus impostos. Os republicanos têm ao seu lado a grande parte dos meios de informação, que tentam desacreditar o sector público apontando que os funcionários públicos são uns "privilegiados", uns "ineficazes", e outro tipo de acusações previsíveis, a fim de conseguir o apoio popular para aquelas medidas repressivas. Até agora, tal campanha não foi bem sucedida e 62% da população estado-unidense apoia os funcionários públicos.
Quem são os jovens?
Uma última observação. Grande número de articulistas, como Josep Ramoneda no El País1 estão a enfatizar muito o papel dos jovens nestas mobilizações (do Egipto ao Wisconsin), apresentando-os como os novos agentes de mudança, substituindo com isso outros agentes, como a classe trabalhadora, a qual, pelo visto, consideram inexistente ou desaparecida. Ignoram ou desconhecem que a maioria destes jovens são e pertencem à classe trabalhadora. Se se analisarem as revoluções que existiram no século XX, ver-se-á que, na sua maioria, foram os jovens os que lideraram estas rebeliões. Não é, pois, uma situação nova. O que é novo é que se veja como uma coisa nova e isso é consequência do esquecimento das categorias de análises como classe social e luta de classes, categorias que se consideram ultrapassadas e "antiquadas", redefinindo estas mobilizações populares como movimentos estudantis com Internet e Facebook, categorias que são extremamente insuficientes para entender a realidade dos tempos em que vivemos. A pergunta que não se fazem é a que classe pertence a maioria destes jovens. Não é preciso dizer que tanto a composição como a dinâmica de classes varia com o tempo. Mas desta realidade não se pode ignorar a sua existência, pois continua a ser fundamental para entender o nosso entorno.
Nota:
1 "Un nuevo sujeto político", El País, 20/02/2011.
25 de Fevereiro de 2011
Fonte: Vicenç Navarro
Maciça manifestação em Wisconsin contra acordo de republicanos
Washington, 10 mar. PL) - Milhares de pessoas repudiaram o acordo dos republicanos no Senado de Wisconsin, que corta radicalmente os direitos de negociação sindical, eleva os custos de saúde e reduz as pensões.
O diário The Washington Post informou hoje que, através de uma manobra legislativa, foi aprovado o projeto de lei apresentado pelo governador Scott Walter, com 18 votos a favor e 1 contra.
Na avaliação da imprensa nacional, a decisão foi brusca, acelerada e pegou de surpresa os democratas.
Tão logo os trabalhadores souberam da noticia, saíram as ruas e, em frente do edificio do Congresso, gritaram: "Esta é nossa casa, Fora".
Há três semanas seguidas, milhares de trabalhadores públicos, professores, estudantes, policiais, bombeiros reclamam por respeito a seus direitos e procuraram evitar que ocorresse o que agora é uma realidade.
O Post assinalou que os democratas receberam a noticia com indignação e destacou que para o presidente do Partido Democrata em Wisconsin, Michael Tate, tudo o que ocorre é uma estratégia política.
Ao separar o projeto de lei das medidas fiscais, para as quais se exige o voto de 20 membros do parlamento, os republicanos venceram o obstáculo criado pelos 14 democratas que fugiram para Illinois para bloquear o acordo.
Nesta quinta-feira, o projeto deve ser examinado pela Câmara baixa, de maioria republicana, e de antemão já se sabe o resultado.
Os republicanos justificam as medidas com o argumento de reduzir o déficit fiscal, mas seus opositores opinam que só perseguem debilitar o poder dos sindicatos de tradicional filiação democrata.
O plano de Walker prevê cortar o gasto de ajuda aos governos locais e aaos distritos escolares, o que, segundo disse, podería traduzir-se en 12 mil dispensas nos próximos dois anos.
Para especialistas, a iniciativa de um estado para reduzir o déficit provoca agora um aluvião de protestos sindicais, estendidos por mais de 20 estados, considerados os maiores dos últimos 30 anos.
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